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Śivasūtravimarśinī: Seção III (aforismos 23 a 33 - pura)
Tradução pura
Introdução
A Śivasūtravimarśinī continua: Kṣemarāja continua a comentar os aforismos.
Este é o terceiro grupo de 11 aforismos dos 45 aforismos que formam a terceira Seção (que versa sobre Āṇavopāya). Como você sabe, a obra inteira é composta dos 77 aforismos dos Śivasūtra-s mais os respectivos comentários.
É claro que também inserirei os aforismos de Śiva sobre os quais Kṣemarāja estiver comentando. Apesar de que não comentarei sobre os sūtra-s originais ou sobre o comentário de Kṣemarāja, escreverei algumas notas para esclarecer certos pontos sempre que for necessário. Se você quiser uma explicação detalhada dos significados ocultos dessa escritura, vá a "Escrituras (estudo)/Śivasūtravimarśinī" na seção Trika.
Leia a Śivasūtravimarśinī e experimente Supremo Deleite, querido Śiva.
Este é um documento de "tradução pura", ou seja, você não encontrará nenhum Sânscrito original, mas haverá, às vezes, uma quantidade mínima de Sânscrito transliterado nas próprias traduções do texto. É claro, não haverá nenhuma tradução palavra por palavra. De qualquer forma, haverá Sânscrito transliterado nas notas explicativas. Se você for uma pessoa cega utilizando um leitor de tela e não quiser ler as notas, ou simplesmente quiser pular as notas, clique no respectivo link "Pular as notas" para continuar lendo o texto.
Importante: Tudo o que está entre parênteses e em itálico dentro da tradução foi agregado por mim para completar o sentido de uma determinada frase ou oração. Por sua vez, tudo o que está dentro de um duplo hífen (-- ... --) constitui informação esclarecedora adicional também agregada por mim.
Obrigado a Paulo & Claudio que traduziram este documento do inglês/espanhol para o português brasileiro.
Aforismo 23
No entanto, quando esse (Yogī) não entra dessa forma no estado além de Turya ou o Quarto Estado --isto é, Turyātīta, também denominado Turīyātīta, o Estado Mais Alto--, o qual é alcançável por meio da intensidade do firme agarramento da (sua) atenção em direção ao Turya interno, mas sim continua sentindo-se bem contente meramente com o camatkāra --deleite cheio de assombro-- de Turya percebido nos pontos inicial (e) final (de vigília, sono e sono profundo), então, no seu caso—
Na etapa intermediária, (ou seja, nem na etapa inicial, nem na final de vigília, sono e sono profundo), há geração de (estados mentais) inferiores||23||
Nesse caso do Yogī que desfrutou do elixir de Turya nos pontos inicial (e) final (dos três estados comuns de consciência), em madhya —no estado ou etapa intermediária—, surge avaraprasava --lit. geração inferior--, (isto é,) uma depreciável manifestação (de estados mentais) inferiores que é característica de vyutthāna --qualquer estado exceto Samādhi, isto é, vyutthāna é a condição comum que a maior parte das pessoas experimenta--|
"Durante a submersão do Conhecimento (Puro), ocorre a aparição de modificações mentais (como em um sonho), as quais surgem por causa disso, (isto é, 'as quais surgem por causa da submersão do Conhecimento Puro previamente citada'). (II, 10) (da escritura atual)". Como indica o significado do aforismo citado, ele não se confunde perpetuamente. Esse é o sentido|
(A este respeito) expressou-se no venerável Mālinīvijayatantra:
"(No entanto,) para aquele que não permanece atento, mesmo se obtiver --lit. na obtenção-- meramente impressões latentes (que gerem poderes sobrenaturais), os Vināyaka-s --um certo tipo de demônios-- incitam e impelem a prazeres transitórios. Portanto, por meio do (seu) desejo de (alcançar) a Mais Alta Realidade, (tal Yogī) não deveria entrar em estreito contato com esses (prazeres transitórios)"|
(Isso) também (foi) citado previamente --no comentário sobre II, 10--1 ||23||
1 A estrofe foi citada quando Kṣemarāja comentou sobre o 10o aforismo da segunda Seção. A estrofe aparece lá de maneira fragmentada: primeiro foram citadas as duas primeiras linhas e depois foi citada a terceira linha isoladamente mais perto do final do comentário. Especifiquei tudo isso na minha tradução de II, 10.
Aforismo 24
Dessa forma, ainda que ocorra a geração (de estados mentais inferiores), se (o Yogī) também borrifar o estado ou etapa intermediária agarrando firmemente o elixir de Turya --o Quarto Estado--, então—
Quando há união entre a verdadeira consciência do Eu e os objetos, (há também) reaparição (da Bem-aventurança desse quarto estado de consciência que havia) desaparecido (devido ao surgimento dos supracitados estados mentais inferiores --ver aforismo 23--)||24||
União da verdadeira consciência do Eu com mātrā-s (ou) objetos|
"Qualquer coisa que se perceba por meio dos olhos ou qualquer coisa que (se transforme em) um objeto por meio da fala; quaisquer coisas em que a mente pense, quaisquer coisas que o intelecto determine; quaisquer coisas das quais se aproprie o ego, qualquer coisa que exista como cognocível; e (inclusive) o que não existe, Ele --Paramaśiva, que é uma compacta massa feita da Luz da Consciência-- deve ser investigado com grande aplicação e cuidado nessas (realidades,) certamente1 "||
(Ver XII, 163-164 no Svacchandatantra)
Conforme os preceitos definidos pelo venerável Svacchandatantra, no caso do (Yogī) que, em todo lugar e momento, repetida e intensamente se torna consciente de que a sua natureza é uma compacta massa de Consciência (dando-se conta de que) "Eu (sou) este universo", (sucede) um reaparecimento (ou) surgimento da própria natureza essencial, repleta da Bem-aventurança do (aparentemente) removido Turya —uma única e compacta massa (de Consciência)— --como o Yogī não estava suficientemente atento, Turya ou o Quarto Estado se ocultou dele--, a qual --isto é, a própria natureza essencial-- tinha desaparecido devido à previamente mencionada geração de (estados mentais) inferiores. (Em suma,) sobrevém ao Yogī plena obtenção ou realização da (sua) unidade com isso --com Turya--. Esse é o significado|
Esse (mesmo ensinamento) foi dito no venerável Svacchandatantra, começando com:
"Visto que inclusive a mente dos Yogī-s, à força, move-se de um lado a outro2 "||
(Ver porção final de IV, 311 no Svacchandatantra)
(seguido por:)
"Cuja mente --como o assento de sentimentos e pensamentos-- está repleta do Mais Alto Princípio --como sendo o seu único objeto de pensamento--, é firme (e) totalmente desprovida de desejos. Sua mente não se move, --isto é, não se desvia do Mais Alto Princípio--, ainda que ele ingresse em todos os estados --ainda que ele atravesse todo tipo de circunstâncias--. Onde quer que (a sua) mente vá, (o Yogī) deveria pensar no Mais Alto Princípio ali mesmo. Como tudo está repleto de Śiva, onde irá (sua mente) após se mover?3 "||
(Ver IV, 312-13 no Svacchandatantra)
e (terminando com):
"Em todos os objetos e em todos os propósitos/objetivos dos sentidos --em suma, o desfrute dos objetos-- —; (o melhor dos Yogī-s) que possa estar envolvido (com essas realidades), onde quer que ele possa investigar, não existe ausência de Śiva em nenhum lugar --não há nenhum lugar onde não exista Śiva--4 "||
(Ver IV, 314 no Svacchandatantra)
||24||
1 Vamos esclarecer alguns pontos agora... bem, tanto quanto for possível (hehe!):
(1) "vācā vā yaśca gocaraḥ" - "ou qualquer coisa que (se transforme em) um objeto por meio da fala": Existem quatro níveis de fala, a saber, Parāvāk, Paśyantī, Madhyamā e Vaikharī. Por outro lado, Parāvāk (lit. fala suprema) é a etapa na qual o som (vācaka) e o objeto (vācya) que é denotado (manifestado) por tal com estão em absoluta unidade. Por outro lado, Vaikharī é a etapa na qual vācaka e vācya estão completamente separados. Vaikharī é a fala bruta, isto é, a que se expressa por meio da língua física. Em Vaikharī, ambos o som e o objeto por ele denotado são diferentes e completamente separados. No meio, há duas etapas intermediárias, a saber, Paśyantī e Madhyamā. Na primeira, o som e o objeto por ele denotado são diferentes um do outro mas não são separados; e, na segunda, o som e o objeto são diferentes e estão separados, mas estão separados um do outro "unicamente" a nível mental. O "gocara" ou objeto mencionado na estrofe do Svacchandatantra é vācya ou objeto. Por sua vez, com a palavra "vācā" ou "por meio da fala", o autor quer dizer "por meio de Paśyantī, Madhyamā e Vaikharī", pois, em Parāvāk, não há objetos de forma alguma. Tão simples! Isso mesmo! Hahaha! Isso é realmente hilário. Tantos significados escondidos em uma frase tão curta! Antes que você desmaie de frustração, por favor, dê uma olhada no significado de Parāvāk no glossário Trika.
(2) "Manaścintayate yāni" - "quaisquer coisas em que a mente pense": Esse "yāni" ou "quaisquer coisas que" está no plural (gênero neutro). Refere-se a sukha (prazer), etc.
(3) "Ahaṅkṛtāni yānyeva" - "quaisquer coisas das quais se aproprie o ego": Aqui, novamente, "yāni" está no plural (gênero neutro). Ego é o tattva ou categoria 15 no esquema da manifestação universal de acordo com o Trika. O ego está constantemente apropriando-se de coisas, atributos, humores e por aí vai. Por exemplo: "Isto é meu" (o ego toma posse de uma coisa) ou "Sou tão esperto" (agora é a vez de um atributo) ou "Estou triste" (agora o cara se apropria de um humor, ou seja, estar triste), etc. Se você precisar de mais exemplos, simplesmente se dê conta do que o ego está fazendo dentro de você nesse exato momento. Mas, apesar da intensa atividade de apropriação realizada por esse simpático ego incansável, o "Eu" permanece só e nunca é tocado por nenhuma outra coisa, atributo, humor, etc.
(4) "yacca vedyatayā sthitam" - "qualquer coisa que exista como cognoscível": Um cognoscível é simplesmente um objeto. Chama-se "cognoscível" porque pode ser conhecido pelo Sujeito (o Senhor Supremo). Qualquer coisa que possa ser conhecida pelo Sujeito é um cognoscível. Isso foi simples, certo?
(5) "Yaśca nāsti" - "e (inclusive) o que não existe": Em outras palavras, "e inclusive o que não é perceptível como uma realidade manifesta".
(6) "sa..." - "Ele -Paramaśiva, que é uma compacta massa feita da Luz da Consciência--...": Isso não é invenção minha, e sim algo que o próprio sábio Kṣemarāja comenta sobre essa estrofe no seu Svacchandoddyota: "Sa iti citprakāśaghanaḥ paramaśivo..." - "(O termo) 'Ele' (significa) Paramaśiva, que é uma compacta massa feita da Luz da Consciência". A palavra original para "Ele" é "saḥ", mas "ḥ" (Visarga) deve ser omitido diante de uma consoante ("t" em "tatraiva" na estrofe acima) pela 10a Regra do Sandhi de Visarga.
Em poucas palavras, o Ser Supremo deve ser investigado com grande aplicação e cuidado em todas essas realidades.
2 Primeiro, uma messagem dirigida aos estudantes de Sânscrito: Antes que vocês encham a minha caixa de entrada, hehe, com peguntas e/ou queixas sobre essa estranha conjugação "cañcalīti", deixe-me explicar o seguinte passo a passo: "cañcalīti" é um Frequentativo (também chamado Intensivo) da raiz "cal" (mover-se) conjugado na 3a P singular, Tempo Presente. Como você sabe, o Frequentative intensifica a ação do verbo, por exemplo, "calati" significa "ele(a) move-se", mas "cañcalīti" significa "ele(a) move-se intensamente, para lá e para cá, de um lado a outro, etc.". Você poderia dizer, "NÃO, então deveria ser cañcalyate", nas o assunto não é tão simples. Existem dois tipos de Frequentativo: um é Ātmanepadī e o outro é Parasmaipadī. O espécime "cañcalyate" é Ātmanepadī, enquanto "cañcalīti" é Parasmaipadī. O primeiro é muito comum em Sânscrito clássico, enquanto o segundo "geralmente" aparece nos Veda-s. Então, é muito provável que você não encontre nenhuma explicação sobre o Frequentativo Parasmaipadī em uma gramática sânscrita elementar. Você precisa de uma avançada para isso. Mas tome cuidado, porque a raiz "cal" (mover-se) forma o seu Frequentativo Parasmaipadī de forma irregular. E, se alguém, por acaso, tiver a brilhante ideia de que "cañcalīti" é "cañcalī + iti", isso não é possível de modo algum. Por quê? Porque mesmo se você considerasse "cañcalī" como o gênero feminino de "cañcala" (que se move de um lado a outro), ainda que "cañcalā" fosse mais correcto, "manas" (a mente) tem gênero neutro. Consequentemente, a estrutura da oração fica completamente quebrada. Então, acredite ou não, aqui está um exemplo de um Frequentativo Parasmaipadī que aparece em um Tantra, quando, em geral, aparecem nos Veda-s. Muito bem, é suficiente. Com essa breve explicação, preveni que a minha pobre caixa de entrada seja inundada, legal!
Agora, para todas as pessoas que estão lendo este documento, Kṣemarāja specifica, no seu Svacchandoddyota: "Kuṭilaṁ calati bhogābhilāṣeṇa vyutthānameva dhāvati nābhiṣṭaṁ padamavaṣṭabhnāti yaditi yasmādevam||311||" - "(O termo) 'yad' (na estrofe significa) 'visto que (inclusive a mente dos Yogī-s) é assim'. (Então, visto que tal mente) não se apodera do Estado desejado --Nirvyutthānasamādhi ou um Samādhi desprovido de qualquer estado comum de consciência--, move-se e corre atrás do torcido vyutthāna --o estado comum consciência-- devido ao desejo de desfrute".
Adicionei a palavra Nirvyutthānasamādhi porque o sábio o introduziu enquanto comentava a primeira porção dessa estrofe (a qual foi citada na atual escritura). Nesse contexto, Samādhi deve ser entendido como o Estado Supremo onde um Yogī permanece penetrando tudo. Sucintamente, Samādhi é, nesse caso, a obtenção de unidade com todas as coisas. Muito bem!
3 A tradução é complicada, como é comum com o Svacchandatantra. Portanto, preciso citar o Svacchandoddyota novamente para que você compreenda tudo da forma como deveria. As duas primeiras linhas pertencem à estrofe IV, 312. Kṣemarāja comenta o seguinte no seu excelente Svacchandoddyota: "Jñeyaṁ ca yathā vyākhyātaṁ paratattvaṁ bhāva āśayaḥ sthiro niścalaḥ pūrṇo nirākāṅkṣaḥ samantataḥ sarvaṁsarvikayā turapyarthe||312||" - "Como foi explicado, 'jñeya' --lit. cognoscível-- é o Mais Alto Princípio --ou seja, o Ser Supremo como o único objeto de conhecimento, por assim dizer, para semelhante Yogī--. (O termo) 'bhāva' (significa) a mente como o assento de sentimentos e pensamentos. 'Sthira' (é) firme, sem movimento. (O significado da palavra) 'pūrṇa' (é) desprovido de desejos, que não deseja nada. 'Samantatas' (significa) 'completamente, plenamente'. (E) 'tu' (deve ser interpretado) no sentido de 'ainda que'".
A terceira e quarta linhas pertencem à estrofe IV, 313. O sábio comenta como segue: "Mana eva paratattvaikyabhāvanāvāsitaṁ kartṛ yathoktaṁ jñeyaṁ sarvatra cintayatyeva|" - "Manas --a mente--, o fazedor, estando influenciado pela contemplação da unidade com o Mais Alto Princípio, pensa a todo momento somente no supracitado jñeya --o Ser Supremo como o único objeto de conhecimento do Yogī--".
4 Agora, o comentário inteiro de Kṣemarāja sobre essa estrofe em seu Svacchandoddyota:
"Indriyāṇi cārthaścaindriyakaṁ prayojanaṁ viṣayopabhogasteṣu sthito yogivaro yo nirūpyeta vicāryeta yatra kutrāpi nāsyāśivamasti sarvasyāsya prakāśamānatayā prakāśaghanaśivaikātmyāt||314||" - "Sentidos e 'artha' ou 'propósito/objetivo dos sentidos', (isto é,) desfrute dos objetos—; o melhor dos Yogī-que possa estar envolvido com essas (realidades), onde quer que ele possa investigar ou examinar, não há nenhum estado desprovido de Śiva para ele. Tudo aparece como a Luz da Consciência no seu caso, devido à (sua) identificação com Śiva, que é uma compacta massa de Luz||314||".
Espero ter sido suficientemente hábil e tenha interpretado os significados de maneira adequada. Agora, você pode entender a minha forma de traduzir a estrofe IV, 314 do Svacchandatantra.
Aforismo 25
Desse modo, o Yogī que obteve preeminência e excelência—
(Esse soberbo Yogī que alcançou o quarto estado) torna-se igual a Śiva||25||
Por meio da intensidade do contato com Turya ou o Quarto Estado, ele alcança o estado de Turyātīta --lit. que está além de Turya-- (e) torna-se igual ao divino e adorável --digno de adoração-- Śiva, que é uma perfeitamente transparente (e) livre massa de Consciência (e) Bem-aventurança; (e,) enquanto o aspecto corporal não desaparecer --enquanto ainda estiver vivo--, (tal Yogī) é como Ele|
Com o desaparecimento disso --do corpo após a morte--, esse (Yogī é) o Próprio Śiva em pessoa|
(Também disse-se) assim no venerável Kālikākrama:
"O glorioso Bhairava --o Senhor Supremo-- disse: 'Portanto, tendo compreendido sempre (e) sem nenhuma dúvida, a partir da boca do guru --mestre espiritual--, o meio de união (com Śiva), deve-se contemplar (Śiva), desprovido de pensamentos, com emoção --com sentimento--1 (e) com um sentido de identificação com Ele, até que alcance igualdade ou identidade com Ele'"|
||25||
1 "Avikalpena bhāvena" pode ser traduzido opcionalmente como "com um estado desprovido de pensamentos", porque a palavra "bhāva", além de "sentimento, emoção" e outra gigantesca pilha de possíveis significados, significa "estado, condição". Muito bem, eu só queria esclarecer esse ponto.
Aforismo 26
E, inclusive dessa maneira --ou seja, ainda que ele tenha alcançado plena identificação com o Senhor Supremo--, segundo o método descrito (nas escrituras), (ou seja,) "Como (existe) esse (corpo), então, por meio de bhoga ou objeto de desfrute, etc.", visto que, (enquanto o corpo viver,) o propósito é meramente deixar que passem os objetos de desfrute que cruzarem o seu caminho1 , a continuação do corpo desse (Yogī) não deve ser negligenciada. (Śiva) disse assim (no seguinte aforismo)—
A permanência no corpo (é seu) voto, (tisto é, mantém uma forma física devido à sua enorme compaixão pela humanidade; é, na verdade, um ato piedoso de sua parte)||26||
Em concordância com o ponto de vista mencionado (previamente), com referência ao Yogī que é como Śiva (e) que vive com o estado (de) "Eu (sou) Śiva", o qual (se denomina) permanência (ou) existência no corpo, (é) certamente (seu) voto. (Assim,) no caso (específico) desse (Yogī) que está completamente consagrado à adoração do sempre presente (Ser) Supremo na forma da consciência de sua própria natureza essencial, (tal voto) é observado como um ato de piedade|
(Foi declarado) assim no venerável Svacchandatantra (também):
"Assim como, em um fogo bem aceso, a chama é vista no céu, da mesma forma, o Ser, (embora) certamente exista em corpo e energia vital, está fundido em Seu Estado --no estado de Śiva--2 "||
(Ver IV, 398 no Svacchandatantra)
De acordo com o que foi expresso (na estrofe do Svacchandatantra), declara-se que existe uma condição de estar repleto de Śiva no (Yogī) que (ainda) existe em corpo, energia vital, etc. --embora ele ainda mantenha o corpo, energia vital, etc., está totalmente fundido com Deus!--|
Nenhum voto que não seja a manutenção do corpo é adequado para ele|
Isso (foi) dito no venerável Trikasāra:
"Aquele que é sábio está sempre marcado com Mudrā-s --Selos--3 que surgem a partir do corpo. Diz-se que somente ele carrega Mudrā-s. O restante das pessoas certamente carrega ossos"||
Também, no venerável Kulapañcāśikā, (foi dito que):
"Após ver alguém que não tenha nenhuma marca (religiosa), os Marīci-s --os Poderes Supremos-- conversam (com ele). Eles não se reúnem com aquele que tenha marcas (religiosas), porque (tais Poderes Supremos) são muito ocultos e misteriosos"||
||26||
1 Permita-me ser mais específico com relação a isso: "upanata" significa "que cruzou o caminho" (no sentido figurado de "trazido pelo acaso"), "bhoga" é "objeto de desfrute" e "ativāhana" é "deixar passar". Em suma, "deixar que passem os objetos de desfrute que cruzarem o seu caminho", no sentido de "usufruir esses objetos à medida que chegam naturalmente e, então, deixá-los ir embora". Não há nem apego, nem aversão no processo. O sábio está falando sobre um grande Yogī que alcançou Libertação final em vida, obviamente. A grande maioria das pessoas só deseja mais objetos que aqueles que aparecem em "naturalmente" em seu caminho. Além disso, desenvolvem apego e aversão no processo. Todo esse comportamento ignorante não lhes traz nada mais que imensa aflição e dor. Bem, você certamente conhece essa história, hehe.
2 O comentário completo de Kṣemarāja sobre essa estrofe em seu Svacchandoddyota diz:
"Dehamantraprāṇātmaśivapadānāmaucityāt kāṣṭhāraṇivahnitacchikhāmbarāṇi dṛṣṭāntaḥ| Tenāraṇimanthanayuktyā supradīpte prajvalite vahnau sati yathā śikhā jvālā dāhyaṁ dagdhvāmbare dṛśyate tatra layāt tadātmabhāvaṁ prāptāvalokyate tadvaddivyakaraṇamantrāraṇisamuttejanena dehe yaḥ prāṇastasmin supradīpte madhyordhvavāhyudānāgnitāmāyāti dehe sthito ya ātmā prokta śuddhavijñānakevalarūpo vahniśikhātulyaḥ samanāntaṁ samastaṁ dehadāruṁ daghdvā tasminpade līyate nirupādhiparamaśivaikātmyametyevetyarthaḥ||398||" - "Por conveniência, uma comparação (foi feita) entre madeira, (dois) pedaços de madeira utilizados para fazer fogo por fricção, fogo, sua chama --isto é, a chama do fogo-- e o céu e os estados de corpo, mantra, enegia vital, Ser e Śiva (respectivamente) --em suma, a analogia é assim: 'madeira - corpo', '(dois) pedaços de madeira utilizados para fazer fogo por fricção - mantra', 'fogo - energia vital', 'chama - Ser' e 'céu - Śiva'--. Portanto, assim como, quando há fogo bem aceso, o śikhā ou chama que queima o combustível é vista no céu, vê-se (essa chama) alcançando a sua verdadeira natureza ao fundir-se nisso --ao céu--, da mesma forma, a energia vital que está no corpo, ao ser muito encendiada pelos (dois) pedaços de maneira na forma de mantra ou som divino, torna-se o fogo de udāna, que flui para cima através da passagem do meio --através de Suṣumnā-- quando está bem aceso. Diz-se que o Ser, cuja natureza é unicamente Consciência pura, reside no corpo (também). Ele é como a chama de um fogo. Queimando toda a madeira conhecida como corpo, a qual termina em Samanā, (esse Ser) se funde a esse Estado, (ou seja,) Ele certamente alcança unidade com Nirupādhiparamaśiva ou Paramaśiva sem atributos. Esse é o significado."
Muito bem! Agora, com essa didática explicação do sábio Kṣemarāja, o significado dessa estrofe está realmente bem claro. Para mais informação sobre Samanā, etc., leia Meditação 6 e estrofe/comentário III, 5 da presente escritura.
3 Nesse contexto em particular, o termo Mudrā refere-se a Selos realizados por partes do corpo (por exemplo, mãos) ou inclusive pelo corpo inteiro. Se você escutar muitas pessoas que falam (ou inclusive escrevem) sobre Yoga, o significado de Mudrā é Selo, porque aparentemente fecha/sela o circuito no seu sistema de modo que a energia não saia, permanecendo preservada internamente. De qualquer forma, esse é um bom exemplo de por que sempre opino que apenas os especialistas e eruditos em Yoga podem dizer algo que seja digno de ser ouvido. Em primeiro lugar, a energia não pode sair, pois não há "fora" ou "dentro" no caso de Śakti. Isso é muito difícil de entender para as pessoas comuns, que estão convencidas de que há um universo lá fora distinto deles mesmos e cujos objetivos são geralmente mundanos, mas qualquer aspirante com suficiente experiência em Yoga pode compreender a mim perfeitamente. Se algum praticante de Yoga ainda não conseguir me entender, bem, ele ou ela ainda não está suficientemente maduro(a) de um ponto de vista espiritual.
Então, não deveria haver nenhum medo de "perder" energia porque o circuito está "aberto". Na verdade, o conceito de "energia" também é complicado, porque, na verdade, é "poder" (Śakti). Śakti é sempre a possessão de Śiva (Você!) e nunca pode ser perdido de nenhuma forma. É unicamente a própria Māyā ou Ignorância que força uma pessoa a acreditar que Śakti poderia escapar do sistema se o circuito está aberto. Oh, meu bom Deus, estive escutando esse conceito errôneo de "Mudrā-s que impedem que Śakti escape do seu sistema" por anos, hehe; sim, certamente a minha própria Māyā!
Portanto, para remover esse conceito máyico, posso dizer o seguinte: O verdadeiro propósito de Mudrā é fazer com que a mente se una com o Ser. É por isso que se denomina "Selo". Existem outros significados derivados de várias raízes, mas o que dei a você é o principal significado na grande maioria dos contextos. E, de fato, ninguém pode realizar "genuínos" Mudrā-s à vontade, e sim estas surgem espontaneamente devido à Graça do Senhor. É por isso que a estrofe estabelece que somente um grande Yogī carrega Mudrā-s, enquanto o resto das pessoas que realiza esses Selos apenas carrega ossos.
Aforismo 27
Desse tipo (de Yogī)—
(Sua) conversa (é) o murmúrio (de um Mantra ou oração)||27||
"Eu (sou) certamente o Mais Alto Ser ou Espírito, (Eu sou) Śiva, a Causa Suprema"||
(Ver porção final de IV, 399 no Svacchandatantra)
Como foi definido no venerável Svacchandatantra, (sua conversa é o murmúrio de um Mantra ou de uma oração,) já que (tal Yogī) está constantemente repleto da mais alta contemplação (da consciência) do Eu|
"A consciência (do Eu ou) o Supremo Poder, que é onisciente, (isto é,) que está repleto de conhecimento, pertence Àquele que é o maior Deus entre os deuses (e) cuja natureza a Mais Alta Consciência"||
Como se definiu no venerável Kālikākrama, qualquer conversa, etc., do (Yogī) que alcançou a não produzida consciência do Eu, que consiste no grande Mantra, tudo isso equivale ao seu japa --murmúrio de um Mantra ou oração--, cuja essência é a incessante repetição da consciência da deidade (do grande Mantra), que é o próprio Ser1 |
Esse (mesmo ensinamento) foi expresso no venerável Vijñānabhairavatantra:
"Essa contemplação que se realiza de novo e de novo com relação ao Mais Alto Estado (é) japa nesse (contexto). Tal som espontâneo --que soa por si mesmo-- cuja natureza é um Mantra (constitui) o objeto de japa --esse som espontâneo deve ser contemplado de novo e de novo--2 "||
Além disso, (declara-se na mesma escritura):
"(O mantra sutil) 'Haṁsa, Haṁsa' sai com o som 'Sa' e entra novamente com o som 'Ha'. (Por essa razão), o ser vivo constantemente murmura esse mantra. Dia e noite, (esse ser vivo o murmura) 21.600 (vezes). O murmúrio da Deusa foi indicado como muito fácil (para os sábios, mas) difícil para os que não o são3 "||
||27||
1 A deidade do grande Mantra é Śiva (o próprio Ser). Esse Śiva é inseparável de Sua Śakti ou divino Poder que aparece como "consciência do Eu". Portanto, o grande Mantra está sendo repetido automática e incessantemente na forma de "Aham" ou "Eu". Sem "Eu", nada poderia manifestar-se. Então, como esse sublime Yogī está constantemente consciente de "Aham", todas as suas conversas são como o seu japa.
2 Como indicado na nota anterior, japa, no caso desse grande Yogī, não é nem mesmo o murmúrio de um mantra como geralmente se entende, e sim simplesmente a contemplação do Mais Alto Estado (o Estado de Śiva). Aham ou Eu é o som que continua soando por si mesmo incessantemente. Portanto, a contemplação de Aham ou Eu (o Mais Alto Estado) é o que constitui japa para esse ser de espírito elevado. Agora, tudo está claro, certo?
3 Para mais informação sobre esse tema, revise Varṇa em Meditação 5.
Aforismo 28
(Por meio do aforismo seguinte, Śiva) falou sobre a conduta ou comportamento desse (Yogī) que pratica esses japa e vrata --Ver os dois aforismos anteriores--—
O Conhecimento do Ser (é seu) presente (para todos nós)||28||
Esse conhecimento do Ser, que é a previamente mencionada --Ver I, 1-- Consciência Absoluta, consiste em dar-se conta (desse Ser). Esse (conhecimento é) seu presente. E, considerando (as raízes das quais deriva o termo dāna ou presente): "A perfeita natureza essencial é dada (como presente). (Por meio desse presente,) corta-se (ou) divide-se a diferença (entre Śiva e) o universo --isto é, a dualidade --; limpa-se (ou) purifica-se a essência de Māyā e preserva-se (ou) protege-se o estado inato —cuja natureza é Śiva— que foi adquirido por esse (grande Yogī)1 "|
No entanto --ou seja, apesar dos possíveis significados do termo dāna ou presente segundo as distintas raízes--, o conhecimento do Ser (é) um presente, pois é dado (ou) concedido por ele aos alunos que moram perto de ou em sua casa2 --então, o principal significado é o que deriva da raiz "dā" ou "dar"--|
Esse (mesmo ensinamento) foi (claramente) expresso (por meio da seguinte estrofe):
"Os melhores Yogī-s, bem estabelecidos em Kulācāra --a unidade de Śiva (o Senhor), Śakti (Seu Poder) e nara (a alma individual)--, resgatarão (os seres limitados) do vasto oceano da existência transmigratória por meio de sua (mera) presença ou toque3 "||
||28||
1 De maneira sucinta, para os estudantes de Sânscrito, as raízes são as seguintes: dā (dar, casa ou classe 3), do (cortar, casa ou classe 2), dai (limpar, casa ou classe 1) e dī (preservar, casa ou classe 2).
2 A palavra "antevāsibhyaḥ" é o Dativo (plural, masculino) de "antevāsin". O casi Nominativo (singular, masculino) é "antevāsī" ou "um aluno que mora perto de ou na casa do seu mestre". É muito interessante o que o sábio Kṣemarāja escreveu, porque se esperaria "śiṣyebhyaḥ" ou "aos śiṣya-s ou alunos", de maneira geral, não importando se moram perto ou longe do seu mestre. Eu poderia ter ignorado esse detalhe e traduzido como "aos alunos", mas não teria sido exato. De acordo com a estrofe que ele cita posteriormente, o sábio está dando mais importância à concessão de Graça por meio de vista ou toque. Daí a necessidade de ter os alunos ao alcance, de um ponto de vista físico.
3 Aqui, a estrofe ensina que os principais entre os Yogī-s libertarão os seres condicionados por meio da sua mera presença (isto é, por meio da vista) e, também, por meio do toque. Outro nome para "conhecimento do Ser" é "Graça", isto é, "Graça divina" ou "anugraha". Segundo a minha tradição, a Graça pode ser "adicionalmente" concedida aos alunos por meio de um mantra ou mediante mero saṅkalpa ou volição, ou seja, conforme a vontade. Evidentemente, esses dois métodos adicionais são geralmente usados com aqueles alunos que não são antevāsī-s, isto é, que não moram perto de ou ou na casa do seu guru (por exemplo, eu!). Como Kṣemarāja está falando sobre os antevāsī-s nesse contexto, os únicos métodos para iniciar discípulos são os realizados por meio da vista (dṛk) e do toque (sparśa).
Aforismo 29
Segundo o que foi estabelecido, ele é sempre igual a Śiva. (Portanto,) somente ele (pode ser) realmente um mestre --alguém que faz com que uma pessoa reconheça a sua natureza essencial-- de alunos, porque, ao estar devoto a vrata, japa e caryā ou práticas religiosas dessa forma, alcançou (domínio sobre) o seu próprio grupo de poderes. (Śiva) disse assim (no seguinte aforismo)—
Aquele que (está) estabelecido (no grupo de poderes ou Śakticakra é) verdadeiramente um meio de sabedoria||29||
[O termo "avipasthaḥ" --estabelecido (no grupo de poderes ou Śakticakra)-- deve ser interpretado da seguinte forma:] avipa (significa) "aquele que protege os avi-s (ou) animais --os seres limitados--", (ou seja,) o grupo de poderes (composto por) Māheśvarī, etc., de acordo com o ponto de vista declarado (em) "Māheśvarī e outras deusas (que têm sua esfera de influência) no grupo 'ka', etc., (e que são) as mães dos seres limitados, (tornam-se as deidades regentes de tal Yogī). (III, 19) (da presente escritura)". (O termo "sthaḥ" em "avipasthaḥ" significa que) esse (grande Yogī) permanece ali --nesse grupo de poderes ou Śakticakra-- (e) brilha como o senhor (de tais poderes), pois conhece o seu exaltado estado ou posição --lit. pois o seu exaltado estado ou posição é conhecido--. Ele (é) "jñāhetuḥ" (ou) "um meio de sabedoria", (pois é) o meio ou fonte dessa "jñā" —"aquilo que conhece"—, (ou seja,) Jñānaśakti ou Poder de Conhecimento. (Por essa razão,) ele está apto para instruir e despertar (seus) alunos pelo Poder de Conhecimento --isto é, mediante a sua sabedoria--|
No entanto, outro ser (além desse tipo de Yogī), ao estar sujeito ao grupo de poderes, não é um senhor de si mesmo. (Então,) como ele despertaria outros?|
Com relação à palavra "yaḥ" --que-- (que aparece) nesse aforismo, a palavra "saḥ" --ele-- deve ser adicionada (para completar o sentido) --dando como resultado "aquele que"--|
A palavra "ca" (foi utilizada) no sentido de "hi" --verdadeiramente, certamente, etc.--|
Visto que ele —esse (Yogī) que está estabelecido (no grupo de poderes ou Śakticakra)— (é) um meio para despertar conhecimento, portanto, foi dito corretamente que: "O Conhecimento do Ser (é seu) presente (para todos nós). (III, 28) (da presente escritura)"|
Entretanto, outros (autores), a partir do ponto de vista de nirukta --um tipo de explicação ou interpretação das palavras-- (baseado na máxima) "segundo a similitude das sílabas, expressaria" --isto é, segundo a similitude das sílabas, um termo em particular expressa um significado que deriva de palavras vinculadas a essas sílabas--, (sustentam que): "yo" (indica) yogīndra —um senhor entre os Yogī-s—, "vi" (indica) vijñāna —conhecimento especial—, "pa" (sugere) pada —estado— (e) "sthaḥ" --estabelecido--, que é a última sílaba dessa (expressão) --de Yo'vipasthaḥ no aforismo--, (forma, junto com "pada", o termo) "padasthaḥ" —estabelecido em um estado—|
"Jña" (indica) jñātā —conhecedor—, "he" (indica) heya —rejeitável—, "tu" (indica) tucchatā —falta de valor—, (e,) mediante Visarga --"ḥ" no final de hetuḥ no aforismo--, (estaria sendo sugerido) o poder criativo. Com a palavra "ca", não expressada (aqui) em um sentido conjuntivo --a partícula "ca" não deve ser entendida aqui da maneira usual, ou seja, como a mera conjunção "e"--, menciona-se um agente ou fazedor. Empregando-se assim (esse método de interpretação, esses outros autores) explicam (o aforismo da seguinte forma:)
"Aquele que é um senhor entre os Yogī-s, por meio do poder da consciência (do Eu), está estabelecido em um estado de conhecimento especial sobre a natureza de seu próprio Ser essencial. Ele deve ser considerado como conhecedor e fazedor. Nesse caso, rejeita este (universo), considerando(-o) sem valor e insubstancial. (Em poucas palavras,) ele não aceita (o universo)1 "|
Esse (tipo de interpretação) não nos satisfaz, pois não está muito de acordo com a associação ou relação entre os significados das palavras e porque é possível mostrar, em cada aforismo, uma sucessão de tais explicações aos milhares||29||
1 Essa porção é bem complicada no que tange à sua tradução. É por isso que, para o bem de todos os estudantes de Sânscrito (e também para o bem próprio bem, hehe), esclarecerei o processo de tradução por meio de uma nota explicativa. Segundo o meu conhecimento atual, a tradução correta é a que escrevi, isto é, "Nesse caso, ele rejeita este (universo), considerando(-o) sem valor e insubstancial. (Em poucas palavras,) ele não aceita (o universo)|". Muito bem, essa tradução surgiu para satisfazer os requerimentos de uma mente ocidental moderna, mas e se formos mais literais e começarmos a pensar como os antigos?: "Nesse caso, ele alcança o estado de ser rejeitável, a falta de valor (e) o estado de ser insubstancial desse (universo). (Em poucas palavras,) ele não alcança (sua) aceitabilidade|". Ai, isso doeu!
Bem, suponho que, agora, a estrutura da frase em Sânscrito e a minha maneira de traduzir estejam claras para os estudantes.
Aforismo 30
E, desse (Yogī)—
O universo (é) a expansão ou desdobramento de seu próprio Poder||30||
Visto que foi dito que ele é como Śiva, portanto, assim como a partir do ponto de vista dos textos sagrados, o universo de Śiva está repleto da Sua própria Śakti ou Poder:
"Seus poderes (são) o mundo inteiro, etc.1 "|
assim, o universo (é) um desdobramento (ou) expansão —um brilho do Poder de Ação (que manifesta o mundo)— de sua própria Śakti, cuja natureza é Consciência|
Isso também (foi) declarado no venerável Mṛtyujit --Netratantra--:
"Visto que Deus é a Mais Alta Realidade como Consciência pura e Jñāna (ou Consciência) existe em muitas formas, (e já que Deus torna-se) o Protetor dos seres restritos ou condicionados —dos que vivem em escravidão—, portanto, diz-se que Ele é Netra2 "||
(Ver IX, 12 no Netratantra)
e também no Kālikākrama:
"A consciência brilha --torna-se manifesta-- dentro (e) fora de diversas maneiras --por exemplo, dentro como prazer, fora como uma vasilha, etc.--. Não há existência de objetos sem consciência. Portanto, o mundo (é) uma forma de consciência. Sem consciência, os objetos não são percebidos por ninguém. A consciência tornou-se a natureza desses (objetos e,) por meio dela, (cada um deles) é determinado e claramente distinguido. Pela aplicação de afirmação e negação, há divisão --lit. com/por meio da divisão-- de bhāva-s ou objetos positivos e negativos --manifestos e não manifestos--. (Percebe-se que) a objetividade --o estado de ser um objeto ou jñeya-- dos objetos tem como essência a consciência pela força de bhāvanā ou dar-se conta da própria natureza. No caso de conhecimento e cognoscível, eles são o mesmo --lit. (há) uma única forma--, devido a uma apreensão simultânea --em suma, conhecimento e cognoscível (objeto sendo conhecido) são percebidos ao mesmo tempo, pois, se um deles não está presente, não há existência--"|
||30||
1 Esse "etc." representa os três pontos.
2 Dado que essa estrofe contém conhecimento muito profundo, citarei todo o comentário que Kṣemarāja escreveu sobre ela em seu Netroddyota. Como subproduto, você entenderá por que traduzi a estrofe da maneira específica como o fiz: "Devaḥ parameśvaro jñānamayaścinmātraparamārthaḥ| Tacca jñānaṁ bahudheti svātantryātsaṅkocamābhāsya nānātvamāśritya sthitam| Ataśca saṅkocābhāsabhājo ye nigūhitasvarūpatayā niyantritā ābhāsitā devena tata eva baddhāsteṣāṁ nānādarśanopāsābhiḥ svasvarūpaprathāhetutayā yato devastrāṇaṁ tasmānniruktadṛśā netramucyate na tu cakṣurgolakatayā||12||" - "Deus, o Senhor Supremo, é 'jñānamaya' --lit. repleto de conhecimento--, (ou seja,) a Mais Alta Realidade na forma de Conhecimento puro. Esse Jñāna (ou Conhecimento), após assumir multiplicidade (e) manifestar contração por meio de (Sua) Liberdade Absoluta, existe 'em muitas formas'. É por isso que aqueles que participam da manifestação da contração, ao estar oculta (ou velada) a sua natureza essencial, são manifestados por Deus como seres restritos (ou condicionados). E, por essa razão, estão em escravidão. (No entanto,) por meio das suas --dos seres condicionados-- adorações e homenagens prescritas pelos diversos sistemas filosóficos e doutrinas, Deus (torna-se) seu 'Trāṇa' ou Protetor, pois Ele se torna a causa para a expansão da sua --deles-- natureza essencial --a natureza essencial desses seres limitados deixa de estar oculta--. Devido a isso, de um ponto de vista etimológico, diz-se que Ele é 'Netra' --em outras palavras, o termo Netra é a abreviação de 'niyantritānāṁ trāṇam' ou 'protetor dos seres restritos/limitados'--. (Ele) não é (chamado 'Netra') no sentido de 'globo ocular' --já que o significado usual do termo "netra" é "olho"--||12||".
Muito bem! E lembre-se: esteja a sua natureza essencial oculta ou expandida (ou uma mistura), a Mais Alta Realidade é sempre o seu verdadeiro Ser. Se você ler essa escritura e pensar que o autor está falando sobre "outra" pessoa que atingiu esse tão alto estado de consciência, está pensando erroneamente e só está acumulando conhecimento inútil. Se você não se der conta da sua natureza essencial ao ler, tataḥ kim (e agora? --lit. então o quê?--). Assim, a verdade é que esta escritura versa sobre Você unicamente! O universo inteiro conta a Sua história, querido Senhor!
Aforismo 31
O universo não somente (é) a expansão (ou desdobramento) de seu próprio poder na etapa ou estado de (sua) manifestação, (mas também) com referência aos outros dois (estados) que seguem esse—
Tanto a manutenção (do universo quanto sua) reabsorção (são também o desdobramento de seu Poder)||31||
(A frase) "(são também) o desdobramento de seu Poder" (deveria) seguir (o aforismo para completar o sentido) --é por isso que essa frase já foi adicionada entre parênteses à tradução do aforismo--|
Sthiti ou manutenção do universo manifestada pelo Poder de Ação, a qual --ou seja, sthiti-- é uma manifestação externa (que dura) algum tempo, com relação a diversos experimentadores1 , e laya ou reabsorção, que é um repouso no Experimentador --o próprio Ser--, o qual é Consciência pura, esses mesmos dois --sthiti e laya--2 (são) somente uma expansão ou desdobramento de seu próprio Poder --do poder do Yogī, que é igual a Śiva--. Realmente, os diversos objetos cognoscíveis que aparecem e desaparecem --isto é, que se tornam manifestos e não manifestos-- consistem unicamente no seu próprio Poder Consciente --o Poder da Consciência--, já que, de outro modo, haveria impossibilidade de apreensão ou percepção desse (universo) --sendo menos literal mas mais explícito, "já que a apreensão ou percepção desse universo seria impossível de outro modo", ou seja, se os objetos que aparecem e desaparecem não fossem unicamente o seu próprio Poder, o ato de percebê-los não seria possível--|
Por essa mesma razão, (quando,) no venerável Kālikākrama, (declara-se que):
"Há uma divisão --lit. com/por meio da divisão-- de bhāva-s ou objetos positivos e negativos --manifestos e não manifestos--, etc."||
(essa afirmação) foi dita com relação a manutenção e reabsorção (do universo)|
Então:
"Aquele que percebe a Consciência completamente pura, que está desprovida de suporte --não depende de nenhum objeto para existir-- (e) cuja natureza é o próprio pratyaya ou consciência do Eu, (é) uma alma emancipada em vida3 ; (sobre isso) não há dúvidas"||
||31||
1 Para mais informação sobre os sete experimentadores, leia a nota 4 em III, 19 desta escritura.
2 Para studantes de Sânscrito: "tau" é o Nominativo dual (masculino) de "tad" e "etau" é o Nominativo dual (masculino) de "etad". Normalmente, "tad" significa "aquilo", enquanto "isso" é indicado pela palavra "etad". De qualquer forma, "tad" também pode significar "isso" segundo o contexto. Nesse caso, traduzir "tau" como "esses dois" é mais adequado do que traduzi-lo como "aqueles dois". E, é claro, a expressão inclui "mesmos", quando "tad" e "etad" se juntam, por exemplo, tau etau (os quais, pela 6a Regra Primária do Sandhi de Vogais, tornam-se "tāvetau"... mas o autor poderia ter escrito opcionalmente "tā etau" pela 7a Regra Primária do Sandhi de Vogais): "aqueles mesmos dois", ou ainda, nesse caso, "esses mesmos dois". Você pode confirmar o que eu disse sobre "tad" também significar "isso" simplesmente consultando qualquer dicionário decente de sânscrito.
3 Para studantes de Sânscrito novamente: Quando "n" está no final de uma palavra e é precedido por uma vogal "curta", transforma-se em "nn" se for seguido por uma vogal, de acordo com a 2a sub-regra da 15a Regra do Sandhi de Consoantes. É por isso que a expressão original "jīvan eva" tornou-se "jīvanneva" na estrofe. Evidentemente, o autor conhecia essa regra! (brincadeira).
Aforismo 32
Uma dúvida!: "Dessa forma, (no caso de um grande Yogī orientado em direção a objetos,) seu (estado interno) experimenta anyathātva --lit. diferença-- ou uma interrupção na consciência de sua natureza essencial durante os estados de manifestação, manutenção e reabsorção (do universo), cujas aparências diferem entre si" --em suma, já que manifestação, manutenção e reabsorção do universo diferem entre si com relação à aparência, o estado interno do grande Yogī também deve mudar toda vez que ele experimenta esses três, um após o outro--. Para extinguir (essa) dúvida, (Śiva) disse—
Mesmo que possam ocorrer esses (três processos anteriores, a saber, manifestação, manutenção e reabsorção do universo), não há nenhuma interrupção (no estado interno do grande Yogī), devido à (sua) condição de (Supremo) Conhecedor||32||
Mesmo que possam ocorrer (ou) surgir esses (processos, isto é,) manifestação, etc., não há nenhuma interrupção (ou) movimento (no estado interno) desse Yogī por causa da (sua) condição como o (Supremo) Conhecedor, (ou seja,) dado que ele é o Percebedor repleto da bem-aventurada consciência de Turya --o Quarto Estado-- (e) visto que não haveria manifestação de absolutamente nada no caso de uma interrupção nisso --em seu estado como o Conhecedor Supremo--1 |
Essa (verdade) foi declarada nesse mesmo (livro) --no Kālikākrama--:
"Quando há desaparecimento do que foi manifestado pela Ignorância ou Māyā, a própria natureza essencial --a natureza essencial da Consciência-- não desaparece. Como há ausência do aparecimento --manifestação-- (e) desaparecimento (no que concerne à Consciência), portanto, não há desaparecimento real (no caso Dela). Visto que (inclusive) a Ignorância é mencionada figurativamente como aparecendo e desaparecendo, então como (pode-se) dizer que Ela --a Consciência-- desapareceu (quando) essa (Consciência), por natureza, nunca desapareceu?"||
Isso foi mencionado por este (aforismo) nas Spandakārikā-s:
"Diz-se que (existen) dois estados nesse (princípio do Spanda), (a saber,) o estado de ação (e) o estado de fazedor. Dentre eles, o estado de ação é perecível, mas o estado de fazedor (é) imperecível"||
(Ver Spandakārikā-s I, 14)
e também (por estes dois outros aforismos):
"Somente o esforço que é direcionado à ação desaparece nesse (estado de Samādhi). Quando esse (esforço) desaparece, (só) um tolo pensaria 'Eu desapareci'.
Não há nunca cessação desse estado ou natureza interna que (é) a moradia do atributo de onisciência, por causa da não percepção de outro2 "||
(Ver Spandakārikā-s I, 15-16)
||32||
1 As mudanças são detectadas devido à presença de algo que é imutável. Se o Supremo Conhecedor ou Percebedor, isto é, a Consciência (Você!), viesse a mudar alguma vez, ou seja, se Ele experimentasse uma interrupção ou movimento na sua natureza essencial, então quem perceberia as outras mudanças? Como essas outras mudanças são percebidas durante todo o tempo à medida que acontecem (por exemplo, vigília, sonhos, prazer, dor, vazio, felicidade, coisas externas que envelhecem, etc.), a Mais Alta Realidade (Você!) nunca abandona o Seu estado essencial. É sadodita ou nityodita (lit. sempre surgido), isto é, sempre presente. Não se pode dizer a mesma coisa sobre tudo o que foi produzido pela Ignorância ou Māyā, a qual está repleta de realidades mutáveis. É por isso que aqueles que postulam que a Consciência muda estão totalmente equivocados.
2 Não somente nesse caso, mas sempre que você vir uma estrofe das Spandakārikā-s sendo citada, leia a respectiva explicação escrita pelo próprio sábio Kṣemarāja no Spandanirṇaya (seu comentário erudito sobre as Spandakārikā-s).
Aforismo 33
Desse Yogī—
(Esse sublime Yogī) considera prazer e dor como algo externo||33||
(Esse grande Yogī) considera --lit. consideração-- (ou) percebe --lit. percepção-- prazer e dor nascidos do contato com objetos como um mero --lit. como sendo uma mera aparência-- "Isto" --como algo percebido pela própria natureza essencial, que é "Eu" ou "Sujeito"--. (Em poucas palavras, ele considera ou percebe os dois) como algo externo, (tal) como azul, etc., e não como as pessoas comuns (os consideram, isto é,) como algo que toca --que entra em contato-- com o "Eu". Nesse caso, como expressa o significado do aforismo "O universo (é) a expansão ou desdobramento de seu próprio Poder. (III, 30) (da atual escritura)", tudo se manifesta brilhantemente vestindo --no sentido de "que consiste de, repleto de"-- a (sua) consciência do Eu, e não (como se) prazer, dor, etc. estivessem conectados (com sua consciência do Eu) --como se essas experiências estivessem afetando de alguma forma o seu "Eu" ou natureza essencial--. Assim é a explicação segundo esse (aforismo) anterior|
Como (pode) o Yogī, no qual o estado (de considerar) o corpo sutil --composto de intelecto, ego, mente e elementos sutis-- como o Experimentador ou Conhecedor --o Ser-- foi extinto, ser tocado --ser afetado-- por prazer e dor (se esses dois estão relacionados com intelecto, ego e mente)?|
A mesma coisa foi dita também no venerável Pratyabhijñāsūtravimarśinī:
"Não há prazer, dor, etc. para aqueles que transcenderam a etapa de experimentador (limitado) --o que está controlado por Māyā ou Ignorância-- (e) que alcançaram o estado do Experimentador Real --Śiva--, mesmo que possa haver uma clara percepção de prazer (e) dor apresentados por suas diversas causas1 . Ou então, (devido a uma imersão na Luz da Consciência,) prazer, etc., não são produzidos --lit. não é produzido-- porque suas causas estão ausentes2 . Então, (estejam eles em Turya ou Turyātīta), existe (somente) manifestação ou presença de Bem-aventurança natural, verdadeiramente"||
É por isso que --lit. daí que--, por meio desse (aforismo), estabeleceu-se (a mesma verdade) nas Spandakārikā-s:
"Onde (não há) nem dor nem prazer, nem objeto nem sujeito, (onde) o estado de incosciência nem sequer existe... isso é, no mais alto sentido, (o princípio do Spanda)"||
(Ver Spandakārikā-s I, 5)
||33||
1 Esses grandes seres não experimentam prazer e dor nem mesmo enquanto atravessam vigília, sonho e sono profundo, porque descansam em Turya (o Quarto Estado), que é um estado de testemunho. Em outras palavras, eles percebem o drama do processo do mundo e, consequentemente, não podem experimentar prazer e dor como algo relativo ao seu "Eu" real. Percebem ambos como algo externo.
2 Quando os grandes Yogī-s alcançam Turyātīta, o estado além do Quarto (quando eles alcançam Consciência pura desprovida de qualquer manifestação universal), as causas de prazer e dor desaparecem completamente. Apego (rāga) e aversão (dveṣa) são as respectivas causas para prazer (sukha) e dor (duḥkha). Se as causas estão completamente ausentes porque uma pessoa está plenamente submersa na Luz do seu próprio Ser, os efeitos não podem surgir de maneira alguma. Simples!
Informação adicional
Este documento foi concebido por Gabriel Pradīpaka, um dos dois fundadores deste site, e guru espiritual versado em idioma Sânscrito e filosofia Trika.
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