Sanskrit & Trika Shaivism (English-Home)

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 Aprendendo Sânscrito - Traduzindo (1)

Como traduzir textos sânscritos - Um estudo introdutório


 Introdução

Olá, Gabriel Pradīpaka novamente. Nesta série de documentos, você aprenderá a traduzir "verdadeiros" textos em Sânscrito. O seu primeiro texto será um simples: Śivamānasapūjā, uma tradução que está disponível aqui. Utilizarei essa tradução, mas, agora, explicarei como foi feita passo a passo. Escolhi essa escritura porque é fácil de compreender. À medida que nosso estudo sobre tradução de textos se aprofundar, você lidará com textos um pouco mais complicados. Espero que a minha explicação seja tão clara quanto possível. Se não for, envie-me um e-mail e tire as suas dúvidas de uma vez por todas.

A Śivamānasapūjā data do século VIII da nossa era, aproximadamente. Foi composta por Śaṅkarācārya. Esse renomado mestre ensinava Advaitavedānta ou Vedānta não dual (Ver a série de documentos em Primeiros Passos para mais informação). Creio que a essência dos seus ensinamentos esteja na seguinte e simples oração escrita por ele próprio:

ब्रह्म सत्यं जगन्मिथ्या जीवो ब्रह्म इव नापरः
Brahma satyaṁ jaganmithyā jīvo brahma iva nāparaḥ

O Absoluto (brahma) (é) a Verdade (satyam); o mundo (jagat) é ilusório --nem real, nem irreal-- (mithyā); (e) a alma individual (jīvaḥ) não (é) (na) outra (aparaḥ) que o Absoluto (brahma iva)
--isto é, "o jīva não é diferente do Absoluto"--.

Śaṅkarācārya é um mestre muito famoso, certamente, e as suas escrituras estão escritas em um excelente Sânscrito, fácil de ler, como claramente mostra o texto acima. É por isso que escolhi um dos seus textos para este primeiro estudo, que é uma abordagem preliminar à tradução a partir do Sânscrito.

Antes de começar com esse estudo, preciso chegar a um acordo com você sobre "abreviações". Terei que usar abreviações para economizar espaço e facilitar mais as coisas. Estude esse quadro e imprima-o se possível. Se você imprimir o quadro, ele estará prontamente disponível sempre que você quiser saber o significado de uma determinada abreviação:

ātmn. Ātmanepada esp. Especialmente lit. Literalmente prep. Preposição
abl. Ablativo etim. Etimologia/gicamente loc. Caso locativo pres. Tempo presente
acc. Caso acusativo f. Gênero feminino m. Gênero masculino priv. Privativo
adj. Adjetivo fig. Figurativamente m.f.n. Masculino, feminino e neutro pron. Pronome
adv. Advérbio fut. Tempo futuro n. Gênero neutro pronom. Pronominal
aic. No início de um composto g. Gaṇa ou Casa neg. Negativo redupl. Reduplicado
aor. Tempo aoristo gen. Caso genitivo nom. Caso nominativo reflex. Reflexivo
caus. Causal ou causativo gr. Gramática op. a Oposto a r. - rs. Raiz - Raízes
cf. Comparar id. Idem opt. Modo optativo (também denominado modo Potencial) sc. scilicet (viz. ou videlicet; ou seja, a saber)
comp. Composto i.e. Id est (ou seja, isto é, em outras palavras) parsm. Parasmaipada sing. Número singular
compar. Grau comparativo ifc. In fine compositi (no final de um composto) p. Página subj. Subjuntivo
cond. Modo condicional impers. Impessoal part. Participio subst. Substantivo
conj. Conjunção impf. Tempo imperfeito pass. Voz passiva suf. Sufixo
cons. Consonante impv. Modo imperativo pess. Pessoa superl. Grau superlativo
dat. Caso dativo ind. Indeclinável pf. Tempo perfeito suplic. Suplicante
defect. Defectivo inf. Modo infinitivo pl. Número plural vb. Verbo
desid. Desiderativo instr. Caso instrumental pot. Modo potencial (também denominado modo optativo) ved. Védico ou Veda
du. Número dual intens. Intensivo p. p. Participio passado (não confundir com "particípio presente", que se escreve "part. presente") viz. Videlicet (sc. ou scilicet; ou seja, a saber)
e.g. Exempli gratiâ (por exemplo) irr. Irregular p. p. fut. Participio passivo futuro voc. Caso vocativo

Note que, apesar de todas as terminações estarem em minúsculas, também poderiam aparecer em maiúsculas às vezes. Agora, vamos começar o nosso estudo.


Obrigado a Paulo & Claudio que traduziram este documento do inglês/espanhol para o português brasileiro.


Ao início


 Como traduzi-la: Título e 1a estrofe

Antes de tudo, obtenha um bom dicionário sânscrito como o de Monier-Williams (que uso pessoalmente). Se isso não for possível, vá ao dicionário on-line que recomendamos no documento Suporte. Claro, um dicionário on-line não é tão fácil e cômodo de usar como um offline, mas pode servir ao seu propósito de aprender Sânscrito... ao menos enquanto você tenta obter uma maneira melhor de encontrar os significados das palavras sânscritas, ou seja, um livro ou programa, talvez.

Depois, lembre onde encontrar informação adicional (seção Sânscrito):

Escrita; Transliterando; Números; Combinação; Declinação; Verbos; Compostos; Afixos e Sintaxe.

Vamos estudar, agora, como traduzir o próprio título e cada uma das estrofes:

शिवमानसपूजा
Śivamānasapūjā

É fácil traduzir o título, já que é um composto Tatpuruṣa comum. Os compostos na língua sânscrita são geralmente ascendentes, ou seja, você deve iniciar no final e ir, na maioria das vezes, até o início.
Você pode buscar cada uma das palavras em um dicionário sânscrito (como o famoso de Monier-Williams) e não encontrará nenhum problema no processo. Então, a tradução é óbvia:

-Adoração (pūjā) mental (mānasa) de Śiva (śiva)-

Note como incluí "de" para traduzir a parte final do composto. Por quê? Porque a grande maioria dos compostos Tatpuruṣa pode ser traduzida, em geral, inserindo a preposição "de" entre os membros. Por sua vez, a palavra "mānasa", que significa "mental", deriva de "manas" (mente), é claro. O termo "pūjā" é um substantivo feminino terminado em "ā". Apesar de que a maioria dos substantivos que terminam em "ā" são femininos, isso não é sempre verdadeiro. Por exemplo "ātmā" (de "ātman") é um substantivo masculino, apesar de terminar em "ā". Vamos continuar:

रत्नैः कल्पितमासनं हिमजलैः स्नानं च दिव्याम्बरं
नानारत्नविभूषितं मृगमदामोदाङ्कितं चन्दनम्।
जातीचम्पकबिल्वपत्ररचितं पुष्पं च धूपं तथा
दीपं देव दयानिधे पशुपते हृत्कल्पितं गृह्यताम्॥१॥

Ratnaiḥ kalpitamāsanaṁ himajalaiḥ snānaṁ ca divyāmbaraṁ
nānāratnavibhūṣitaṁ mṛgamadāmodāṅkitaṁ candanam|
Jātīcampakabilvapatraracitaṁ puṣpaṁ ca dhūpaṁ tathā
dīpaṁ deva dayānidhe paśupate hṛtkalpitaṁ gṛhyatām||1||

1) Reconhecer as palavras no texto: Esse é a primeira etapa fundamental no processo de traduzir qualquer texto em Sânscrito. Você utilizará as Regras de Sandhi, estudadas em Combinação. Imprima o documento com as regras de Sandhi, se puder, e tenha-o sempre em mão. É vital que um tradutor conheça muito bem as Regras de Sandhi. É por isso que ensinei a você as Regras de Sandhi antes de Declinação, Verbos, etc. Considero as Regras de Sandhi como o núcleo da gramática sânscrita.

Ao examinar o texto, você notará que algumas palavras estão obviamente isoladas, enquanto o resto está aglutinado ou formando compostos. Vamos ver a primeira estrofe e tentar identificar as palavras:

Ratnaiḥ kalpitamāsanaṁ himajalaiḥ snānaṁ ca divyāmbaraṁ
nānāratnavibhūṣitaṁ mṛgamadāmodāṅkitaṁ candanam|
Jātīcampakabilvapatraracitaṁ puṣpaṁ ca dhūpaṁ tathā
dīpaṁ deva dayānidhe paśupate hṛtkalpitaṁ gṛhyatām||1||

Bem, é bastante fácil, sem dúvida. Note que, se você não conhecer uma determinada palavra, sempre pode recorrer ao dicionário. Sem um dicionário sânscrito (offline ou online) em mão, é realmente difícil começar a traduzir um texto sânscrito, a menos que você seja um fantástico erudito com uma memória prodigiosa. Note, também, que vou identificar as palavras segundo a minha própria capacidade de memória e conhecimento, para facilitar as coisas. Obviamente, se você não conhecer nenhuma palavra, será forçado a recorrer ao dicionário com muita frequência para reconhecer as palavras. Com o tempo, a sua habilidade melhorará e não será necessário recorrer ao dicionário com tanta frequência quanto antes. As seguintes palavras parecem estar isoladas:

ratnaiḥ (como termina em "aiḥ", é provavelmente o instr. pl. de "ratna" --joia--); snānam (ablução); ca (e); candanam (sândalo); puṣpam (flor); ca (e); dhūpam (--fino-- incenso); tathā (bem como); dīpam (uma --brilhante-- luz); deva (oh Deus!) e gṛhyatām (é um verbo, obviamente --procure por esse termo no dicionário e não vai encontrá-lo... quando você não consegue encontrar uma palavra no dicionário, essa palavra é provavelmente um verbo, um composto, etc.-- e parece que deriva da raiz "grah" --aceitar, etc.--, verei mais adiante como traduzi-lo). As palavras "snānam", "puṣpam", "dhūpam" e "dīpam" aparecem no texto como "snānaṁ", "puṣpaṁ", "dhūpaṁ" e "dīpaṁ" pela 10a Regra do Sandhi de Consoantes.

Agora, tentarei identificar palavras aglutinadas e compostos, respectivamente:

kalpitamāsanam (kalpitam-āsanam) - Isso não é um composto, mas sim uma aglutinação de palavras. Unir o "m" final em "kalpitam" e o "ā" inicial em "āsanam" economiza espaço quando se escreve em Devanāgarī (caracteres originais). Veja a diferença: "kalpitam āsanam" (कल्पितम् आसनम्) ou "kalpitamāsanam" (कल्पितमासनम्), ou seja, substitui-se "..m ā.." (...म् आ...) por "mā" (मा) e economiza-se bastante espaço (e tinta, hehe) no processo. "Āsanam" significa "assento". Essa palavra tem gênero neutro (n.). Por quê? Porque sei que as palavras que terminam em "a" formam seu n. adicionando "m" (e.g. jalam, puṣpam, etc.). Leia os documentos de Declinação para mais informação. E, por último, "kalpitam" (outra palavra com n.) deriva, certamente, da raiz "kḷp"... explicarei isso a você mais tarde, não se preocupe. No texto, o "m" final en "kalpitamāsanam" muda para "ṁ" (Anusvāra) pela 10a Regra do Sandhi de Consoantes.

himajalaiḥ (hima-jalaiḥ) - Assim como em "ratnaiḥ", "jalaiḥ" é outro instr. pl. de uma palavra terminada em "a" ("jala" --água-- nesse caso), e "hima" é uma conhecida palavra que significa "frio, congelado, etc." (e.g. "Himālaya --Hima-ālaya--", cujo significado literal é "Morada congelada", mas é traduzido poeticamente como "Morada da neve").

divyāmbaram (divya-ambaram) - A primeira palavra desse composto Tatpuruṣa (Ver Compostos) é "divya" (divino(a)) e "ambaram" (vestimenta). Apesar de que "ambaram" está no sing., vou traduzi-la no plural, por conveniência. As duas palavras (divya + ambaram) formam "divyāmbaram" pela 3a Regra Primária do Sandhi de Vogais. Além disso, o "m" final em "divyāmbaram" muda para "ṁ" (Anusvāra) pela 10a Regra do Sandhi de Consoantes.

nānāratnavibhūṣitam (nānā-ratna-vibhūṣitam) - A primeira palavra desse composto Tatpuruṣa é "nānā" (diversos(as)), a segunda "ratna" (gema, joia) e a última "vibhūṣitam" (adornado, mas vou traduzi-la no plural e no feminino, já que está relacionada com as "vestimentas divinas" previamente mencionadas). Mesmo que não haja nenhum Sandhi "interno", note que o "m" final no composto se converte em "ṁ" (Anusvāra) no texto pela 10a Regra do Sandhi de Consoantes.

mṛgamadāmodāṅkitam (mṛgamada-āmoda-aṅkitam) - Esse composto Tatpuruṣa consiste de três palavras: "mṛgamada" (almíscar), "āmoda" (fragrância) e "aṅkitam" (misturado). Há dois Sandhi-s internos (mṛgamadāmodāṅkitam), regidos pela 3a Regra Primária do Sandhi de Vogais. Além disso, o "m" final muda para "ṁ" (Anusvāra) no texto pela 10a Regra do Sandhi de Consoantes.

jātīcampakabilvapatraracitam (jātī-campaka-bilva-patra-racitam) - Esse longo Tatpuruṣa é composto de cinco palavras: "jātī" (jasmim), "campaka" (campaka), "bilva" (bilva), "patra" (folhas) e "racitam" (preparado). Novamente, note que o "m" final foi transformado em "ṁ" (Anusvāra) no texto pela 10a Regra do Sandhi de Consoantes.

dayānidhe (dayā-nidhe) - Esse composto Tatpuruṣa é formado a partir de duas palavras: "dayā" (misericórdia) e "nidhe" (oh Oceano!).

paśupate (paśu-pate) - Esse composto Tatpuruṣa consiste de duas palavras: "paśu" (ser limitado) e "pate" (oh Senhor!).

hṛtkalpitam (hṛt-kalpitam) - Outro composto Tatpuruṣa. É composto de dois termos: "hṛt" (coração) e "kalpitam" (imaginado). Note que o "m" final no composto aparece como "ṁ" (Anusvāra) no texto pela 10a Regra do Sandhi de Consoantes.

2) Traçar um caminho de tradução: Para facilitar as coisas para você, porei números na transliteração e na tradução final para indicar a sequência que deve ser seguida na tradução da estrofe. Esteja avisado de que, nos casos em que foi necessário colocar o número dentro de um composto ou de uma aglutinação de palavras --e.g. kalpitam-āsanam--, adicionei um hífen depois do número para indicar que é um composto ou uma aglutinação, e não palavras separadas. Da mesma forma, aviso que também manterei as palavras intactas dentro de um composto ou de uma aglutinação, isto é, caso haja qualquer tipo de Sandhi (combinação), as palavras aparecerão como são "originalmente" --e.g. divya-ambaram--:

Ratnaiḥ6 kalpitam4-āsanaṁ5 hima8-jalaiḥ9 snānaṁ7 ca10 divya11-ambaraṁ12
nānā13-ratna14-vibhūṣitaṁ15 mṛgamada17-āmoda18-aṅkitaṁ19 candanam16|
Jātī22-campaka23-bilva25-patra24-racitaṁ21 puṣpaṁ20 ca26 dhūpaṁ27 tathā28
dīpaṁ29 deva1 dayā2-nidhe3 paśu30-pate31 hṛt32-kalpitaṁ33 gṛhyatām34||1||

Bem, antes que você jogue o computador pela janela totalmente frustrado, escute a minha explicação: Quando você traduzir uma estrofe, assegure-se de olhar primeiramente a parte final da estrofe. Por quê? Porque os poetas "geralmente" colocam no final as palavras chave para começar a traduzir um poema. Quais são essas palavras chave? Substantivos, epítetos, verbos, etc. Nesse caso, a primeira palavra chave que você encontra é deva (oh Deus!), e, então, um epíteto: dayānidhe (oh Oceano --nidhe-- de Misericórdia --dayā--!) --um composto Tatpuruṣa--. A palavra "nidhe" é o caso Vocativo (Ver Declinação) de "nidhi" (oceano, tesouro, etc.). Reservei o terceiro epíteto: paśupate (oh Senhor dos seres limitados!) para a última parte da tradução. Depois disso, salto até a primeira linha para ver os objetos mentais com os quais quero realizar a adoração de Śiva na minha mente. Vamos estudar a sequência 4-6:

Ratnaiḥ6 kalpitam4-āsanaṁ5 -- A palavra "kalpitam" é um particípio passado e significa "mentalmente formado, imaginado". Deriva, basicamente, da raiz "kḷp" (preparar, dispor, estar bem ordenado ou regulado, etc.). "Āsanam" pode significar "postura", bem como "assento". Escolhi a segunda tradução, é claro, já que é a adequada nesse contexto. "Ratnaiḥ" significa "com joias". É o instr. pl. de "ratna" (joia). Como você certamente sabe (Ver os documentos de Declinação), o caso Instrumental pode ser entendido com o sentido de "com, acompanhado de" ou "por, por meio de, através de". Optei pela primeira opção, obviamente, já que "um assento por meio de joias" teria sido uma tradução estranha, não é? Para formar o instr. pl. de substantivos terminados em "a" (como "ratna"), você deve substituir o "a" final por "aiḥ". Por exemplo, "aśvaiḥ" (instr. pl. de "aśva" --cavalo--, ou seja, "com os cavalos, pelos cavalos, etc."). Assim, a tradução literal da sequência 4-6 seria a seguinte:

Com joias mentalmente formado-um assento -- Em outras palavras, "um assento com joias foi mentalmente formado". Decidi traduzir essa expressão da seguinte forma, para que soe bem em português: Formei mentalmente um assento com joias. A próxima sequência é 7-9:

hima8-jalaiḥ9 snānaṁ7 -- A palavra "snānam" significa "ablução". Por sua vez, "himajalaiḥ" é formado por "hima" + "jalaiḥ". O termo "hima" significa "frio(a)", enquanto "jalaiḥ" é o instr. pl. de "jala" (água). Segundo a minha explicação anterior sobre como traduzir "ratnaiḥ" (instr. pl. de "ratna"), "jalaiḥ" poderia ser traduzido como "com águas, com as águas, etc.". Obviamente, optei por "com águas" nesse contexto. Alguns substantivos podem adotar o número plural ou o singular indistintamente. Isto é, você pode dizer "jalena" (com água) ou "jalaiḥ" (com águas), que estará dizendo a mesma coisa. É claro que, geralmente, ambas as formas serão traduzidas ao português simplesmente como "com água" (sing.). Então, a tradução literal da sequência 7-9 seria a seguinte:

Fria-com água uma ablução -- Em outras palavras, uma ablução com água fria. Continuando, vamos à próxima sequência:

ca10 divya11-ambaraṁ12 -- A palavra "ca" geralmente significa "e". Essa partícula pode ser utilizada de diversas maneiras: e.g. como em português, "Durgā ca sarasvatī" (Durgā e Sarasvatī --duas famosas deusas--), ou repetindo "ca" uma vez após o nome de cada deusa: "Durgā ca sarasvatī ca", ou, então, por meio de um único "ca" no final, "Durgā sarasvatī ca". Essas são as maneiras comuns de utilizar "ca". Obviamente, não importa a maneira usada, a tradução é sempre a mesma: "Durgā e Sarasvatī". O composto "divyāmbaram" é um Tatpuruṣa. A palavra "divya" significa "divino(a)" e "ambara", vestimenta. Apesar de estar em número singular, traduzirei "ambara" no pl. (i.e. vestimentas) por conveniência (soa melhor, não é?). Portanto, a tradução completa dessa sequência seria:

E divinas vestimentas -- Muito bom! A próxima sequência é 13-15:

nānā13-ratna14-vibhūṣitaṁ15 - Esse é outro composto Tatpuruṣa, que consiste em três palavras: "nānā" (diversos(as), múltiplos(as), etc.). O termo "ratna" significa "joia, gema, etc.". Usarei a tradução "gema" nesse caso, pois já usei "joia" anteriormente, em "Ratnaiḥ kalpitamāsanam". Note que posso usar esse tipo de composto Tatpuruṣa em qualquer número (singular ou plural). Finalmente, "vibhūṣitam" é o p. p. de "vibhūṣ" (adornar, decorar, etc.), isto é, significa "adornado, decorado". Note também que o "m" final no composto muda para "ṁ" (Anusvāra) no texto pela 10a Regra do Sandhi de Consoantes. A tradução literal é:

Diversas-gemas-adornadas -- Em outras palavras, adornadas com diversas gemas. Agora, a próxima sequência:

mṛgamada17-āmoda18-aṅkitaṁ19 candanam16 - Há uma palavra ("candanam" significa "sândalo") e um composto formado por três membros: "mṛgamada" (almíscar), "āmoda" (fragrância) e "aṅkitam" (misturado). Na verdade, o último termo do composto (um p. p.) significa literalmente "marcado, estampado, etc.", já que deriva da raiz "aṅk" (marcar, estampar, etc.). Entretanto, nesse caso, deve ser entendido como "misturado", para dar à frase um sentido claro. A tradução literal dessa sequência seria:

Almíscar-fragrância-misturado sândalo -- Ou seja, sândalo misturado com a fragrância do almíscar. A próxima sequência é 20-25:

Jātī22-campaka23-bilva25-patra24-racitaṁ21 puṣpam20 - Aqui, temos uma palavra (puṣpam) em conjunto com um longo composto Tatpuruṣa formado por cinco palavras. Apesar de que "puṣpam" significa literalmente "flor", deve ser traduzido nesse caso como "um (arranjo) flor(al)", por conveniência na tradução. Você descubrirá que, muitas vezes, precisa "ajustar" um pouco a tradução para que o leitor não tenha muita dificuldade em compreendê-la. Como os poetas devem ater-se à rigorosa métrica sânscrita (silábica), frequentemente simplificam um pouco a tradução. Obviamente, esses pequenos ajustes inseridos pelo tradutor não devem alterar o significado central de um determinado texto em Sânscrito. Traduzir em Sânscrito é uma arte, realmente.

O composto consiste de cinco membros: "jātī" (jasmim), "campaka" (a fragrante flor amarela da árvore campaka), "bilva" (uma famosa árvore cujo fruto ainda não maduro é utilizado medicinalmente, e cujas folhas são empregadas na cerimônia de adoração de Śiva), "patra" ("folha", mas traduzido, aqui, como "folhas") e "racitam" ("preparado", o p. p. da raiz "rac" --preparar, fazer, formar, etc.--). A tradução literal seria como segue:

Jasmim-campaka-bilva-folhas-preparado (um arranjo) flor(al) -- Ou seja, (um arranjo) flor(al) preparado com jasmim, campaka (e) folhas de bilva. Muito bem! Agora, a próxima sequência:

ca26 dhūpaṁ27 tathā28 dīpaṁ29 paśu30-pate31 - Isso é muito fácil. Escute: "ca" significa "e", "dhūpam" é "(fino) incenso" --adicionei a palavra "fino" para tornar a tradução mais poética--, "tathā" é "bem como" e "dīpam" é "uma (brilhante) luz" --adicionei "brilhante" para tornar a descrição um pouco mais poética--. Há um composto Tatpuruṣa aqui: "paśupate". A palavra "paśu" (ou "paśu") é geralmente traduzida como "um ser limitado", enquanto "pate" é o caso Vocativo de "pati" (senhor). Então, "pate" significa "oh senhor!". Portanto, "paśupate" deve ser traduzido como "oh Senhor dos seres limitados!". Note que, mesmo que as palavras apareçam no singular dentro de um composto, posso entendê-las como plural, por conveniência. É por isso que eu disse "dos seres limitados", e não "do ser limitado". Obviamente, a primeira tradução é a correta, enquanto a segunda não faz muito sentido nesse contexto. Dessa forma, a tradução literal seria a seguinte:

E (fino) incenso, bem como uma (brilhante) luz, seres limitados-oh Senhor -- Isto é, e (fino) incenso, bem como uma (brilhante) luz, oh Senhor dos seres limitados. Bom trabalho! Agora, a última sequência:

hṛt32-kalpitaṁ33 gṛhyatām34 -- Um Tatpuruṣa aqui: "hṛtkalpitam". Como disse anteriormente, "kalpitam" significa "imaginado, mentalmente formado". Por sua vez, "hṛt" significa "coração". Ao buscar essa palavra em um dicionário sânscrito, geralmente encontrará "hṛd", e não "hṛt". Contudo, note que a forma "hṛt" deve ser usada em vez de "hṛd" quando a palavra que vem após "hṛd" começar com "k", "kh", "t", "th", "p", "ph", "ṣ" e "s" (todas são consoantes surdas, como o "t" final em "hṛt") (Ver 5a Regra do Sandhi de Consoantes para mais informação). Você pode se perguntar por que "c", "ch", "ṭ", "ṭh" r "ś" (que também são consoantes surdas) não são incluídas também. Bem, a resposta é simples: t + c ou ch = cc ou cch (pela 1a sub-regra da 4a Regra do Sandhi de Consoantes), ou seja, você deve usar a forma "hṛc" em vez de "hṛt" se a palavra que vem após "hṛt" começar com "c" ou "ch". Por sua vez, se essa mesma palavra começa com "ṭ" (ou ainda "ṭh"... mas isso é extremamente raro, certamente), você deve lembrar que t + ṭ = ṭṭ (pela 2a sub-regra da 4a Regra do Sandhi de Consoantes). Em outras palavras, deve-se usar a forma "hṛṭ", e não "hṛt", se a palavra que vem após "hṛt" começar com "ṭ" (ou ainda "ṭh"). Finalmente, a combinação t + ś (seguida por uma Vogal, uma Semivogal, uma Nasal ou "h") = cch --isso é opcional, mas é visto comumente nos textos sânscritos-- (pela 9a Regra do Sandhi de Consoantes). Assim, você deve transformar qualquer hṛt + ś em "hṛcch" (e.g. hṛt + śaya = hṛcchaya --que fica ou permanece no coração--). Espero que você tenha entendido a minha simples explicação. Ah, note que "hṛt" pode ser traduzido opcionalmente como "mente" (o lugar onde residem o pensamento e as operações do intelecto).

A palavra "gṛhyatām" é, obviamente, um verbo (se você procurar por essa palavra em um dicionário, não vai encontrá-la). Deriva da palavra "grah" (aceitar, pegar, etc.). Você pode se perguntar por que eu sabia isso. Porque o verbo "grah" é geralmente conjugado utilizando "gṛh". Esse verbo pertence à nona Casa ou Gaṇa. Aqui estão alguns exemplos de conjugações nos Tempos Presente e Imperfeito, bem como nos Modos Imperativo e Potencial, todos em Parasmaipada:

gṛhṇāti (ele(a) aceita, pega, etc.) --Tempo Presente--; agṛhṇāt (ele(a) aceitou, pegou, etc. recentemente) --Tempo Imperfeito--; gṛhāṇa (aceite, pegue, etc.) --Modo Imperativo-- e gṛhṇīyāt (ele(a) aceitaria ou deveria aceitar, pegaria ou deveria pegar, etc.) --Modo Potencial--. Todos esses exemplos estão na Voz Ativa, enquanto a palavra a ser traduzida (i.e. gṛhyatām) é uma conjugação na Voz Passiva (Ver a tabela intitulada "Vozes" em Verbos (1) (português) para mais informação). Quando se conjuga um verbo na Voz Passiva, deve-se conjugá-lo em "Ātmanepada" [Ver a tabela intitulada "Conjuntos de terminações" em Verbos (1) (português) para mais informação] como se fosse uma raiz que pertence à 4a Casa ou Gaṇa. Como você certamente estudou em Verbos (2) (português), as regras para conjugar uma raiz da 4a Casa são as seguintes:

REGRAS ESPECIAIS PARA O GAṆA 4
(a) Qualquer vogal presente na raiz permanece imutável [exceto "i", "u", "ṛ" e "ḷ" em penúltima posição, quando seguidos por "r" ou "v" mais uma consoante; e "ṝ" em penúltima ou última posição. Ver (3) e (4) na tabela "Regras gerais para os Gaṇa-s 1, 4, 6 e 10"].
(b) A Semivogal "y" é adicionada à raiz.

Então, você deve pegar a raiz "grah", mas mudada para "gṛh", como expliquei anteriormente, e adicionar "y" a ela para formar a base verbal "gṛhy". Depois disso, você deve adicionar "a" para formar a "base composta", ou seja, "gṛhya". Se você quiser conjugar esse verbo na 3a pess. sing no Tempo Presente, simplesmente adicione "te": "gṛhyate" (ele(a) é aceito, pego, etc.).

Bem, para terminar o trabalho, digo a você que a terminação "tām" em "gṛhyatām" pertence à 3a pess. sing. no Modo Imperativo. Em outras palavras: "gṛhya" (base composta) + "tām" = "gṛhyatām". Se fosse Voz Ativa, a forma imperativa seria: "gṛhṇātu" ("que ele(a) aceite!"). No entanto, o verbo está conjugado na Voz Passiva, que tem mais a ver com a coisa a ser aceita do que com a pessoa que deve aceitá-la, entendeu? Assim, a tradução final de "gṛhyatām" é: que seja aceito! (i.e. que tudo o que imaginei em meu coração seja aceito!)... adicionei "por Você" para tornar a tradução mais clara. Agora, eu gostaria de mostrar a você o conjunto completo de conjugações para o Modo Imperativo de "grah" na Voz Passiva. Já que qualquer raiz deve ser conjugada na Voz Passiva como se pertencesse à 4a Casa ou Gaṇa (em Ātmanepada), vou utilizar as conhecidas terminações de Ātmanepada que se usam quando se conjuga uma raiz da 4a Casa no Modo Imperativo (Voz Ativa). Muito fácil:

  grah (to accept, seize, etc.) --Imperative Mode - Passive Voice--
Singular Dual Plural
1a Pess. gṛhyai gṛhyāvahai gṛhyāmahai
que (eu) seja aceito(a)! que (nós dois/duas) sejamos aceitos(as)! que (nós) sejamos aceitos(as)!
2a Pess. gṛhyasva gṛhyethām gṛhyadhvam
que (você) seja aceito(a)! que (vocês dois/duas) sejam
aceitos(as)!
que (vocês) sejam
aceitos(as)!
3a Pess. gṛhyatām gṛhyetām gṛhyantām
que (ele(a)) seja
aceito(a)!
que (eles(as) dois/duas) sejam
aceitos(as)!
que (eles(as) dois/duas)
aceitos(as)!

Então, a sequência 32-34 se traduz literalmente como:

Coração-imaginado que seja aceito! -- Ou seja, que seja aceito (por Ti tudo o que) imaginei em (meu) coração!

Juntando todas as sequências, obtenho a tradução final:

Oh Deus (deva), Oceano (nidhe) de Misericórdia (dayā)!, formei mentalmente (kalpitam) um assento (āsanam) com joias (ratnaiḥ), uma ablução (snānam) com água (jalaiḥ) fria (hima), e (ca) divinas (divya) vestimentas (ambaram) adornadas (vibhūṣitam) com diversas (nānā) gemas (ratna); sândalo (candanam) misturado --"aṅkita" significa literalmente "marcado, estampado, etc."-- (aṅkitam) com a fragrância (āmoda) do almíscar (mṛgamada); (um arranjo) flor(al) (puṣpam) preparado (racitam) com jasmim (jātī), campaka (campaka) (e) folhas (patra) de bilva (bilva); e (ca) (fino) incenso (dhūpam), bem como (tathā) uma (brilhante) luz (dīpam), oh Senhor (pate) dos seres limitados (paśu). Que seja aceito (por Ti) (gṛhyatām) (tudo o que) imaginei (kalpitam) em (meu) coração (hṛt)!

Bom trabalho! Como você pôde ver, traduzir textos sânscritos é verdadeiramente fácil... ei, não fuja aparovado e frustrado, porque a pior parte dessa bagunça ainda está por vir, haha. É só brincadeira... hmmm... não tenho tanta certeza.

continua

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Gabriel Pradīpaka

Este documento foi concebido por Gabriel Pradīpaka, um dos dois fundadores deste site, e guru espiritual versado em idioma Sânscrito e filosofia Trika.

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