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Aprendendo Sânscrito - Primeiros Passos (2)
Aprofundando-se na língua sânscrita e suas filosofias - Parte 1
Introdução
Olá, Gabriel Pradīpaka de novo. Esta é uma espécie de continuação do nosso documento mais visitado e bem-sucedido: Primeiros Passos (1). Nesta continuação, vamos nos aprofundar mais em alguns assuntos que foram estudados de uma maneira "superficial" no documento anterior. O primeiro assunto é o Alfabeto Sânscrito. Então, mostrarei a você a relação exata entre os níveis da Criação e as letras sânscritas. Em seguida, explicarei os diferentes tipos de "sādhanā" (prática espiritual) e algumas outras coisas, tanto segundo as seis filosofias tradicionais indianas, quanto segundo o Trika. Acho que será um longo documento, assim como a anterior. Então, prepare-se!
Um conselho: Vá à segunda parte deste documento enquanto a estuda. Isso o ajudará muito.
Mais uma coisa, a Tabela Táttvica é indispensável para entender o núcleo do ensinamento que lhe darei agora. Visite-a de vez em quando para informações adicionais.
Obrigado a Paulo & Claudio que traduziram este documento do inglês/espanhol para o português brasileiro.
Alfabeto Sânscrito: Uma melhor organização
Esta nova organização do Alfabeto Sânscrito já foi publicada (Vá à seção Essencial e clique em Alfabeto var.), mas achei que seria conveniente incluí-la aqui. Se você quiser aprender como pronunciar as letras corretamente, vá a Pronúncia 1:
GRUPOS | AS CINCO CLASSES PRINCIPAIS DE CONSOANTES |
SEMIVOGAIS | SIBILANTES | VOGAIS SIMPLES | DI- TONGOS |
|||||||
Surda | Sonora | Sonora | "Va" é Lab. -Den. |
Surda | Curta | Longa | Gut. -Pal. |
Gut. -Lab. |
||||
Não-asp. | Asp. | Não-asp. | Asp. | Nasal | ||||||||
Guturais | क | ख | ग | घ | ङ | ह 1 | अः 3 | अ | आ | ए (e) ऐ (ai) |
ओ (o) औ (au) |
|
ka | kha | ga | gha | ṅa | ha | ḥ | a | ā | ||||
Palatais | च | छ | ज | झ | ञ | य | श | इ | ई | |||
ca | cha | ja | jha | ña | ya | śa | i | ī | ||||
Cerebrais | ट | ठ | ड | ढ | ण | र | ष | ऋ | ॠ | - | ||
ṭa | ṭha | ḍa | ḍha | ṇa | ra | ṣa | ṛ | ṝ | - | |||
Dentais | त | थ | द | ध | न | ल | व (va) | स | ऌ | - | - | |
ta | tha | da | dha | na | la | sa | ḷ | - | - | |||
Labiais | प | फ | ब | भ | म | - | - | उ | ऊ | - | ||
pa | pha | ba | bha | ma | - | - | u | ū | - | |||
अं 2 | ||||||||||||
ṁ |
1 "Ha" não é uma semivogal, mas é posto na coluna Semivogais, já que é uma consoante Gutural.
2 O Anusvāra (ṁ) não é uma consoante pertencente às cinco classes principais de consoantes, mas é posto aqui como uma vogal nasal. Além do mais, adiciona-se a vogal "a" (अ) para dar-lhe suporte.
3 O Visarga, mesmo sendo uma vogal, é posto na coluna dos Sibilantes e na linha dos Guturais pois é um som que emerge da raiz da língua. Além do mais, adiciona-se a vogal "a" (अ) para dar-lhe suporte.
"Vogais simples", "Ditongos" e "Anusvāra" são todos vogais "sonoras", enquanto o Visarga (: - ḥ) é uma vogal surda. Em suma, todas as vogais são sonoras exceto o Visarga.
"Va" é uma semivogal labial-dental (labiodental). "E" e "AI" são vogais guturais-palatais (guturopalatais). "O" e "AU" são vogais guturais-labiais (guturolabiais).
Você deve se perguntar por que essa organização das letras é melhor que a tradicional para mostrar a pronúncia correta de cada letra. Bem, primeiramente, dê uma olhada no alfabeto tradicional:
Letras | ||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Vogais | ||||||||||||||
अ | आ | इ | ई | उ | ऊ | ऋ | ॠ | ऌ | ए | ऐ | ओ | औ | अं | अः |
a | ā | i | ī | u | ū | ṛ | ṝ | ḷ | e | ai | o | au | aṁ | aḥ |
Consoantes | ||||||||||||||
Primeiro Grupo | ||||||||||||||
Subgrupos | Surdas | Sonoras | ||||||||||||
Não-aspiradas | Aspiradas | Não-aspiradas | Aspiradas | Nasais | ||||||||||
Guturais | क | ख | ग | घ | ङ | |||||||||
ka | kha | ga | gha | ṅa | ||||||||||
Palatais | च | छ | ज | झ | ञ | |||||||||
ca | cha | ja | jha | ña | ||||||||||
Cerebrais (Cacuminais) | ट | ठ | ड | ढ | ण | |||||||||
ṭa | ṭha | ḍa | ḍha | ṇa | ||||||||||
Dentais | त | थ | द | ध | न | |||||||||
ta | tha | da | dha | na | ||||||||||
Labiais | प | फ | ब | भ | म | |||||||||
pa | pha | ba | bha | ma | ||||||||||
Segundo Grupo | ||||||||||||||
Semivogais | य | र | ल | व | ||||||||||
ya | ra | la | va | |||||||||||
Terceiro Grupo | ||||||||||||||
Sibilantes | श | ष | स | |||||||||||
śa | ṣa | sa | ||||||||||||
Quarto Grupo | ||||||||||||||
Sonora Aspirada | ह | |||||||||||||
ha |
No alfabeto tradicional, você tem dois grupos principais de letras: Vogais e Consoantes. Então, você vê que o grupo Consoantes é dividido em quatro grupos adicionais: (1) Um primeiro grande grupo formado por 25 consoantes, (2) Semivogais --quatro consoantes--, (3) Sibilantes --três consoantes-- e (4) Sonora aspirada --somente uma consoante--. Apesar de esta organização ser aparentemente simples, ela possui várias vantagens e desvantagens. Vejamos:
Vantagens: As Vogais são isoladas e formam um grupo definido. De um ponto de vista filosófico, esta é uma boa característica, pois as Vogais Sânscritas representam os mais altos níveis de Consciência. Note que as Vogais podem ser pronunciadas sozinhas, sem Consoantes. No entanto, você não pode pronunciar uma Consoante sem o suporte de uma Vogal. Tudo bem, você poderia pronunciá-las, mas o som não ficaria muito bom, certo? Ha ha! Mas nem todas as Consoantes representam baixos níveis de Consciência. Por exemplo, as Sibilantes são letras auspiciosas e, de algum modo, poderiam ser postas juntamente com as Vogais. Semivogais são letras de ignorância, e foram claramente isoladas. O primeiro grande grupo de Consoantes (de "ka" a "ma") representa todos os tattva-s, ou níveis de Consciência, que vão desde Puruṣa (alma individual) até o elemento Terra (Não se preocupe, lhe ensinarei a relação exata entre as letras Sânscritas e os níveis da Criação posteriormente, neste documento). Outra vantagem do alfabeto tradicional é a seguinte: é simples e fácil de ser lembrado.
Desvantagens: É difícil lembrar como cada vogal deve ser pronunciada. O isolamento das Vogais é bom de um ponto de vista filosófico, mas falha em mostrar como devem ser pronunciadas corretamente. Por sua vez, o mesmo problema é visto em relação às Semivogais, Sibilantes e Sonora Aspirada. O único grupo em que se pode ver claramente como pronunciar cada letra é aquele formado por Guturais, Palatais, Cerebrais, Dentais e Labiais. A organização das letras não é compacta. Se você observar com cuidado, verá que há dois grandes grupos formados por 15 Vogais e 25 Consoantes respectivamente. No entanto, há três pequenos grupos (Semivogais, Sibilantes e Sonora Aspirada) que parecem estar separados desses dois grandes grupos. O resultado final é que essa organização tradicional do Alfabeto Sânscrito parece um tanto "dispersa".
Apesar de a nova organização do alfabeto sânscrito não mostrar as letras de acordo com o seu nível de importância filosófica, é muito útil em termos de pronúncia, pois permite lembrar facilmente como cada letra deve ser pronunciada segundo a sua posição. Além do mais, o alfabeto parece mais compacto e integrado.
Relação entre o alfabeto sânscrito e os níveis da Criação
Segundo o Trika, cada letra do alfabeto sânscrito está associada a um determinado nível de consciência. Alguns níveis foram associados a mais de uma letra. A tabela a seguir, mostrando os níveis da Criação ou consciência e as suas respectivas letras, é baseada no conhecimento do Trika. Se você quiser se aprofundar no Trika ou Shaivismo não-dual da Caxemira, simplesmente vá à seção Trika e clique nas vários documentos que aparecerem no menu pop-up.
Deve ser notado que "ha" não é incluído na tabela porque não é uma "letra" (embora, de qualquer jeito, seja usada como uma letra), mas sim um mero som que prossegue continuamente dentro. "Ha" é o som produzido por inalação. "Ha" é Visargaśakti (Poder Emissivo) no seu aspecto mais bruto e dual. "Ha" não tem consciência da sua origem (Śiva). Portanto, se eu tivesse que colocá-lo em algum lugar na tabela, eu escolheria o sexto tattva (Māyā ou Ignorância).
Na tabela, há três colunas. A primeira indica o tattva ou nível da Criação correspondente. Podemos dizer que um tattva também é uma espécie de nível de consciência. A segunda coluna contém as letras sânscritas associadas com o nível da Criação em questão. E a última coluna contém uma descrição curta do tattva e/ou letra com ele associada.
Vá em Transliterando (2) (português) para aprender a transliteração sânscrita que estou usando, não somente neste documento, como também em todo o site.
Os primeiros dois tattva-s ou categorias são os mais altos:
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
1. Śiva | अ a |
Ele está além de qualquer descrição. Contudo, pode-se dizer que Ele é o verdadeiro "Eu". Nome filosófico dessa letra: Anuttara --a letra Mais Alta--. |
2. Śakti | आ ā |
Ela também está além de qualquer descrição. Contudo, pode-se dizer que ela é o verdadeiro "sou". Ambos formam o verdadeiro "Eu sou". Śakti torna Śiva consciente de Si mesmo, mas não se pode estabelecer nenhuma separação entre eles. Nomes filosóficos dessa letra: Ānanda --Felicidade-- e Paravisarga --Visarga supremo--. |
Os três tattva-s seguintes também são divinos, mas agora um universo ideal se manifestou.
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
3. Sadāśiva ou Sādākhya | इ ई ऋ ॠ ऌ स i ī ṛ ṝ ḷ sa |
Sadāśiva é a morada da Icchāśakti ou Poder de Vontade. Aqui, surge um universo nebuloso. A consciência é "Eu sou Isto" (Eu sou este universo nebuloso). Nomes filosóficos das letras associadas: (1) Icchā --Vontade-- (letra "i"); (2) Īśāna --O poder da habilidade-- (letra "ī"); (3) Ṣaṇḍha --Eunucos-- (letras "ṛ, ṝ, ḷ"); (4) Paripūrṇāmṛta --a letra perfeita imperecível-- (letra "sa"). |
4. Īśvara | उ ऊ ष u ū ṣa ṁ |
Īśvara é a morada da Jñānaśakti ou Poder de Conhecimento. Aqui, surge um universo distinto e claro. A consciência é "Isto sou Eu" (Este universo distinto sou Eu). Nomes filosóficos para algumas das letras associadas: (1) Unmeṣa --Abertura, Desdobramento-- (letra "u"); (2) Ūnatā --Diminuição, Deficiência-- (letra "ū"); (3) Bindu --Ponto que representa o Conhecedor Último-- (letra "ṁ" ou Anusvāra, que aparece aqui sem o "a", que é adicionado a ele no alfabeto sânscrito, pois necessita de uma vogal para ser pronunciado). |
5. Sadvidyā ou Śuddhavidyā | ए ऐ ओ औ : श e ai o au ḥ śa |
Sadvidyā é a morada da Kriyāśakti ou Poder de Ação. Aqui, a consciência está totalmente equilibrada entre "Eu" e "Isto". "Isto" é o universo, é claro. A consciência é "Eu sou Eu e Isto é Isto". Nomes filosóficos de algumas das letras associadas: (1) Trikoṇa --Triângulo-- (letra "e"); (2) Ṣaṭkoṇa --Hexágono-- (letra "ai"); (3) Triśūla --Tridente-- (letra "au"); (4) Parāparavisarga --Visarga supremo/não-supremo-- (letra "ḥ"). Há três tipos de Visarga: "ā" (supremo), "ḥ" (supremo/não-supremo) e "ha" (não-supremo). Este seria o intermediário. |
Os próximos tattva-s estão relacionados às Limitações. As Semivogais são as letras com eles associadas. Note que a ordem de associação (va, la, ra, ya) é exatamente oposta, se comparada à encontrada no alfabeto sânscrito (ya, ra, la, va):
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
6. Māyā | व va |
Māyā ou Ignorância. A Māyā do Trika não é a mesma do Vedānta. Em Trika, Māyā é um tattva, ou nível "real" da Criação. A Māyā é encarregada de pôr um véu sobre a natureza essencial de Śiva (aparentemente, é claro). Essa letra não tem um nome filosófico próprio. Contudo, todo o grupo de Semivogais (ya, ra, la, va) é chamado de Antastha (lit. as que permanecem no meio, não são nem Vogais puras nem Consoantes puras, portanto são chamadas de Semivogais), pois opera de dentro da mente humana. Também são chamadas de "Dhāraṇā" (letras suporte), pois envolvem e sustentam a consciência limitada, que foi formada devido à operação do Māyā, prevenindo, assim, que caia na matéria bruta (tattva-s inferiores). |
7. Kalā | व va |
Kalā é o primeiro Kañcuka ou Escudo de Ignorância. Ela dá à consciência que foi encoberta por Māyā a noção de "atividade limitada". É a Kriyāśakti (Onipotência) tendo sido contraída. A letra "va" representa tanto a Māyā e o Kalākañcuka. |
8. Vidyā | ल la |
Vidyā é o segundo Kañcuka ou Escudo de Ignorância. Ela dá à consciência que foi encoberta por Māyā a noção de "conhecimento limitado". É a Jñānaśakti (Onisciência) tendo sido contraída. |
9. Rāga | ल la |
Rāga é o terceiro Kañcuka ou Escudo de Ignorância. Dá à consciência que foi encoberta por Māyā a noção de "vontade limitada" --levando ao apego--. É a Icchāśakti (Vontade Absoluta) tendo sido contraída. A letra "la" representa tanto Vidyā quanto Rāga Kañcuka-s. |
10. Kāla | र ra |
Kāla é o quarto Kañcuka ou Escudo de Ignorância. Dá à consciência que foi encoberta por Māyā a noção de "partes" --levando à noção de tempo--. É a Ānandaśakti (Felicidade Suprema) tendo sido contraída. |
11. Niyati | य ya |
Niyati é o último Kañcuka ou Escudo de Ignorância. Dá à consciência que foi encoberta por Māyā a noção de "espaço". É a Cicchakti (o Poder da Consciência) tendo sido contraída. |
Os dois próximos tattva-s são muito importantes. Note que, do tattva 12 ao 36, as letras a eles associadas são Labiais, Dentais, Cerebrais, Palatais e Guturais (nesta ordem). Ou seja, as letras começam com "ma" e terminam com "ka" (tattva-s 12 a 36). Se você estudar o alfabeto sânscrito, perceberá que, lá, a ordem das letras é exatamente a oposta: Guturais, Palatais, Cerebrais, Dentais e Labiais:
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
12. Puruṣa | म ma |
Pode ser chamado de "alma individual". É a Consciência Universal coberta por um véu. Esse véu foi posto pela Māyā ou Ignorância. Puruṣa ainda não tem uma mente neste momento, mas a semente para a formação de um órgão psíquico está para ser mostrada. |
13. Prakṛti | भ bha |
Prakṛti é a semente. É formada por três Guṇa-s (Sattva, Rajas e Tamas) ou qualidades, que, neste nível, estão em equilíbrio absoluto. Puruṣa e Prakṛti formam uma realidade indistinguível, mas um desequilíbrio iminente dos Guṇa-s trará o resto dos tattva-s (do tattva 14 ao 36). Prakṛti é matéria indiferenciada e não-manifestada. É a fonte de todos os tattva-s que virão. |
E, finalmente, chegamos ao órgão "psíquico" interior (Antaḥkaraṇa), formado por intelecto, ego e mente:
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
14. Buddhi | ब ba |
Buddhi é o intelecto. O intelecto age como um espelho, refletindo a luz pura do ser interior. Ainda sofre mutações e modificações, mas não são tão brutas como as do Manas ou mente. Buddhi também é um tipo de biblioteca ou depósito de "etiquetas". Estas etiquetas são indispensáveis para nomear os objetos (por exemplo, "aquilo é um cachorro"; a palavra "cachorro" é uma etiqueta abstrata associada ao verdadeiro "animal" que é percebido por meio dos sentidos). |
15. Ahaṅkāra | फ pha |
Ahaṅkāra é o ego. Você o conhece, não? (haha!). Do ego, surge o resto dos tattva-s ou níveis da Criação. O ego é cheio de vontade ou icchā. O ego também é responsável pela geração de objetos com volume. Se não houvesse ego, você veria somente objetos em 2D. Portanto, o ego é a causa deste mundo tridimensional. O aspecto falso do ego se apropria de tudo que entra em contato com ele e se identifica com isso. Consequentemente, o apego e a aversão tomam você, e o resultado final, obviamente, é "dor". A sua qualidade de apropriação é uma espécie de "praga", da qual todos sofrem. |
16. Manas | प pa |
Manas é a mente. A mente é o mestre dos Jñānendriya-s e Karmendriya-s (poderes de percepção e ação, respectivamente). É por isso que, às vezes, é considerado um Indriya "adicional". Está sofrendo mutação e modificação durante todo o tempo, e esta característica indica claramente que a mente não é uma fonte de felicidade (haha!). A felicidade não pode vir de algo que muda continuamente sem tom nem som. Manas também possui outras funções, mas este sumário já é o bastante. |
E, agora, os Jñānendriya-s ou poderes de percepção. Eles podem ser chamados de "órgãos de percepção", mas eu prefiro usar "poderes", pois os Jñānendriya-s são, na verdade, "energias" circulando pelos respectivos "órgãos" que usamos para perceber. Manas está por trás de cada Jñānendriya como controlador interno. Podemos dizer que os Jñānendriya-s são os sensores pelos quais o Manas percebe a realidade externa:
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
17. Śrotra ou Śravaṇa | न na |
O poder auditivo. É a energia que circula normalmente pelos órgãos da audição (ouvidos). |
18. Tvak | ध dha |
O poder tátil. É a energia que circula "predominantemente" pela pele. |
19. Cakṣus | द da |
O poder visual. É a energia que circula normalmente pelos órgãos da visão (olhos). |
20. Jihvā ou Rasanā | थ tha |
O poder gustativo. É a energia que circula normalmente pelo órgão do paladar (língua). |
21. Ghrāṇa | त ta |
O poder olfativo. É a energia que circula normalmente pelo órgão do olfato (nariz). |
O próximo grupo de cinco tattva-s são os Karmendriya-s ou poderes de ação. São os instrumentos pelos quais o Manas realiza atividades neste mundo. Eles, assim como os Jñānendriya-s, têm um conjunto de órgãos pelos quais geralmente operam. Contudo, já que os dez Indriya-s (Jñānendriya-s e Karmendriya-s) são energias (e não órgãos físicos), são capazes de funcionar usando algum órgão alternativo (por exemplo, o curso normal do poder visual de uma pessoa cega deve ser desviado para os órgãos de audição e tato, pois os olhos não estão funcionando; assim, essa pessoa percebe que pode ouvir e sentir por tato melhor que nunca.):
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
22. Vāk | ण ṇa |
O poder da fala. É a energia que circula normalmente pelo órgão da fala (boca). |
23. Pāṇi | ढ ḍha |
O poder do manejo. É a energia que circula normalmente pelos órgãos de manejo (mãos). |
24. Pāda | ड ḍa |
O poder da locomoção. É a energia que circula normalmente pelos órgãos de locomoção (pernas e pés). |
25. Pāyu | ठ ṭha |
O poder da excreção. É a energia que circula normalmente pelo órgão de excreção (ânus). |
26. Upastha | ट ṭa |
O poder da atividade sexual e tranquilidade. É a energia que circula normalmente pelos órgãos de atividade sexual e tranquilidade (genitais). |
Só mais dez tattva-s para acabar. O conjunto seguinte de 5 categorias são os Tanmātra-s. Tanmātra-s são os elementos sutis dos quais evoluirão os cinco últimos tattva-s (os bem-conhecidos elementos brutos: espaço ou éter, ar, fogo, água e terra). Tanmātra-s são um tipo de padrões ou átomos. Por exemplo: o Tanmātra conhecido como Som como tal é o padrão sonoro pelo qual você é capaz de reconhecer diferentes sons:
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
27. Śabda | ञ ña |
Som como tal. Podem-se reconhecer diferentes sons por causa desse padrão sonoro. |
28. Sparśa | झ jha |
Toque como tal. Podem-se reconhecer diferentes tipos de toque por causa desse padrão de toque. |
29. Rūpa | ज ja |
Cor como tal. Podem-se reconhecer diferentes cores por causa desse padrão de cor. |
30. Rasa | छ cha |
Sabor como tal. Podem-se reconhecer diferentes sabores por causa desse padrão de sabor. |
31. Gandha | च ca |
Odor como tal. Podem-se reconhecer diferentes odores por causa desse padrão de odor. |
E, finalmente, os cinco elementos brutos ou Mahābhūta-s. Estes cinco tattva-s emergem dos Tanmātra-s. Eles não devem ser entendidos meramente como "espaço ou éter, ar, fogo, água e terra", mas sim como "espaço ou éter, tudo o que é gasoso, tudo que contém calor e cor, tudo o que é líquido e tudo o que é sólido", respectivamente. Como você pode ver, o significado por trás de palavras tão simples como "espaço ou éter, ar, fogo, água e terra" é muito mais amplo:
TATTVA (CATEGORIA) |
LETRAS ASSOCIADAS | DESCRIÇÃO CURTA |
32. Ākāśa | ङ ṅa |
O espaço ou armação tridimensional no qual todo o mundo físico existe. |
33. Vāyu | घ gha |
Tudo o que é gasoso. Então, não é simplesmente "ar". |
34. Agni or Tejas | ग ga |
Tudo que contém calor e cor. Então, não é simplesmente "fogo". |
35. Āpas | ख kha |
Tudo o que é líquido. Então, não é simplesmente "água". |
36. Pṛthivī | क ka |
Tudo o que é sólido. Então, não é simplesmente "terra". |
Acabei de enumerar os 36 tattva-s e as suas respectivas letras associadas. Quando você repetir uma dessas letras com uma mente concentrada, você se dará conta, no final, do tattva a ela associado. Por "dar-se conta", quero dizer "compreender completamente". Por exemplo, se você repetir "i", você vai se dar conta da Vontade Suprema que essa vogal incorpora. Você pode usar cada letra para atingir o nível ou tattva que desejar. No documento Primeiros Passos (4), explicarei em detalhes este tópico a você. E, agora, vamos estudar as seis filosofias tradicionais e o Trika.
As seis filosofias tradicionais e o Trika: Nyāya e Vaiśeṣika
Vamos estudar, agora, os diferentes tipos de "sādhanā" ou "prática espiritual" segundo os seis sistemas filosóficos tradicionais e o Trika. Dividi este estudo em três seções: (1) Nyāya e Vaiśeṣika, (2) Sāṅkhya e Yoga, (3) Pūrvamīmāṁsā e Vedānta, por uma questão de conveniência. Eu sei que você não gosta de um looooooongo scrolling.
Antes de iniciar o nosso estudo, há dois termos que você precisa entender primeiro: Āstikadarśana e Nāstikadarśana. "Darśana" significa "ponto de vista". Uma filosofia é um "ponto de vista" de acordo com a cultura indiana. Numa escritura sagrada conhecida como Yogavāsiṣṭha, afirma-se que: "O mundo é como você o vê". Então, cada filosofia ou darśana é uma "visão" particular pela qual você pode estudar o universo e a si mesmo.
O termo Āstikadarśana é atribuído às filosofias que consideram os Veda-s infalíveis e autoritários. São seis escolas ortodoxas e tradicionais (Āstikamata-s). Contudo, somente duas (Pūrvamīmāṁsā e Vedānta) são baseadas diretamente nos Veda-s. As outras quatro (Nyāya, Vaiśeṣika, Sāṅkhya e Yoga) não são baseadas diretamente nos Veda-s, mas aceitam o seu testemunho e tentam mostrar a harmonia existente entre elas e os supracitados Veda-s.
Por sua vez, o termo Nāstikadarśana é atribuído às filosofias que nem consideram os Veda-s infalíveis, nem tentam mostrar a harmonia existente entre elas e os supracitados Veda-s. São três escolas heterodoxas (Nāstikamata-s). Os seus nomes são os seguintes: Budismo, Jainismo e Cārvāka. Às vezes, é dito que existem seis sistemas heterodoxos, pois o Budismo é dividido em quatro escolas principais: Vaibhāṣika, Sautrāntika, Yogācāra e Mādhyamika.
Apesar de o Trika não ser baseado nem um pouco nos Veda-s, não se pode dizer que pertence ao Nāstikadarśana. O Trika aceita, até certo ponto, o que é ensinado nos Veda-s, mas não tenta manter nenhum tipo de harmonia com eles.
Vamos ao trabalho:
E, para começar, os dois primeiros Āstikadarśana-s baseados "indiretamente" nos Veda-s:
NYĀYA
Escola de lógica e epistemologia. Também é conhecida como Ānvīkṣikī e Tarka. As contribuições mais importantes dessa filosofia foram as ferramentas de questionamento e a sua formulação da técnica de argumentação. Essa escola usa um sistema de argumento lógico ou silogístico que consiste em cinco membros: Pratijñā, Hetu, Udāharaṇa, Upanaya e Nigamana. Por esse argumento ou inferência, o Nyāya aborda todos os assuntos físicos e metafísicos. Vamos estudar cada um desses cinco membros:
Pratijñā: É a tese a ser provada. É a premissa num argumento dedutível. Por exemplo: quero provar que "há um lago ou algo com muita água naquele vale distante". Então, Pratijñā é a declaração ou proposição a ser provada.
Hetu: É a razão ou termo médio em um silogismo. Hetu é a razão de uma inferência. A validade de um argumento repousa em Hetu. A razão ou Hetu deve ser consistente e não-contraditória, bem como oportuna e não absurda. O assunto é ainda mais profundo, mas, por enquanto, é o bastante. Por exemplo: "há uma grande quantidade de vapor subindo e formando nuvens naquele vale distante".
Udāharaṇa: É a ilustração e exemplo correspondente que evidencia a razão ou Hetu. Por exemplo: "onde quer que haja vapor subindo, há água, como em uma chaleira com água fervendo dentro". Note que uma ilustração "universal" foi dada juntamente com um exemplo para dar melhor suporte ao argumento.
Upanaya: É a correlação subordinada ou premissa menor. É a aplicação. Mostra que a razão ou Hetu está presente no assunto ou Pakṣa. Também é chamada de "termo menor". Pakṣa é "aquele vale distante" no exemplo, ou seja, é o lugar onde eu disse que havia um lago ou algo com muita água. Então, eu diria agora que: "aquele vale distante tem uma grande quantidade de vapor subindo e formando nuvens, o que é invariavelmente concomitante com a presença de um lago ou algo com muita água lá". Note como o Upanaya une o Pakṣa (aquele vale distante) e Hetu (a presença de uma grande quantidade de vapor subindo e formando nuvens lá). E note também que, depois de juntá-los, o resto da minha afirmação declara a presença de um lago ou algo com muita água lá, que é Pratijñā ou tese, como sendo a causa para a grande quantidade de vapor.
Nigamana: É a conclusão. Declara a tese original ou Pratijñā como tendo sido provada: "portanto, há um lago ou algo com muita água naquele vale distante". Essa é a conclusão em um silogismo.
Bem, como eu disse antes, o assunto todo é muito mais complicado, mas é o bastante por enquanto.
VAIŚEṢIKA
É uma escola que está estreitamente unida ao Nyāya. O termo Vaiśeṣika significa "excelência ou distinção". Por um lado, chama-se Vaiśeṣika porque, segundo os seus seguidores, é o sistema mais excelente. Por outro lado, é assim chamada pois essa escola desenvolveu a sua doutrina de "viśeṣa" ou particularidade.
Viśeṣa é simplesmente a característica que distingue um indivíduo de outro. Há inúmeras características, que são eternas e sem partes. Se não houvesse viśeṣa, não haveria nenhuma diferença. Todas as coisas seriam iguais. Esse sistema filosófico afirma que as características que qualificam uma coisa em particular são distintas dela, apesar de serem inseparáveis. Não há separação, mas, ao mesmo tempo, há diferença.
Viśeṣa é a quinta categoria ou Padārtha, que pertence às 9 substâncias eternas ou Dravya-s. Há 7 categorias ou Padārtha-s no Vaiśeṣika:
(1) Dravya (substância), (2) Guṇa (qualidade), (3) Karma (atividade), (4) Sāmānya (generalidade), (5) Viśeṣa (particularidade), (6) Samavāya (inerência) e (7) Abhāva (não-existência).
Há 9 substâncias eternas ou Dravya-s:
Ātmā (alma), Kāla (tempo), Dik (lugar), Ākāśa (éter), Pṛthivī (terra), Āpas (água), Tejas (luz ou fogo), Vāyu (ar) e Manas (mente).
Diz-se que essas substâncias são tão diferentes umas das outras que nenhuma delas nunca poderia ser a outra. Vou ensinar-lhe mais sobre as 7 categorias do Vaiśeṣika mais adiante. A sādhanā ou prática espiritual dos sistemas Nyāya e Vaiśeṣika consiste geralmente em um estudo da realidade de acordo com as categorias postuladas por cada um deles. A substância conhecida como "Ātmā" é a alma individual que vive neste corpo físico, composta de Ākāśa (éter), Pṛthivī (terra), Āpas (água), Tejas (luz ou fogo) e Vāyu (ar). Este corpo físico situa-se em um determinado "lugar" (Dik) e é afetado por Kāla (Tempo). A mente (Manas) também vive no corpo físico e é um tipo de nexo entre Ātmā e o próprio corpo. Ar, Luz ou Fogo, Água, Terra e Mente são considerados atômicos.
Apesar de Nyāya e Vaiśeṣika serem estreitamente unidos entre si, há duas diferenças:
(1) O Vaiśeṣika propõe 7 categorias, enquanto que o Nyāya propõe 16 (vou explicar para você cada uma das categorias do Nyāya mais adiante). (2) O Vaiśeṣika afirma a doutrina do viśeṣa ou particularidade, em que 9 substâncias ou Dravya-s são consideradas eternamente distintas entre si.
Já é o bastante. Como eu lhe disse antes, analisarei as categorias do Nyāya/Vaiśeṣika em profundidade mais adiante.
As seis filosofias tradicionais e o Trika: Sāṅkhya e Yoga
O Sāṅkhya e o Yoga são os dois últimos Āstikadarśana-s baseados "indiretamente" nos Veda-s. Pela palavra "Yoga", eu quero dizer: Pātañjalayoga, ou o sistema yôguico criado pelo sábio Patañjali.
Ambas as escolas estão muito ligadas mutuamente, obviamente. Contudo, há uma distinção nas suas práticas espirituais:
Enquanto o Sāṅkhya tenta chegar a conhecimento discriminador sobre a diferença existente entre Puruṣa e Prakṛti por meio do "conhecimento (jñāna) dos tattva-s ou categorias da Criação", o Yoga tenta atingir esse conhecimento discriminador por meio de "8 passos ou aṅga-s em que a atividade (kriyā) é predominante". Então, apesar de o objetivo ser o mesmo, o Sāṅkhya usa Jñāna ou conhecimento, enquanto que o Yoga usa Kriyā ou ação. É claro que, na prática espiritual do Sāṅkhya, também há atividade e vice-versa, mas o conhecimento é predominante no Sāṅkhya e a atividade no Yoga.
Esses dois sistemas filosóficos baseiam-se no seguinte esquema de categorias ou tattva-s:
(1) Puruṣa (espírito), (2) Prakṛti (matéria indiferenciada, a fonte de toda a matéria), (3) Mahat ou Buddhi (intelecto), (4) Ahaṅkāra (ego); [o grupo de Jñānendriya-s ou poderes de percepção é formado pelos tattva-s 5o ao 10o --note que a "mente" ou Manas está incluída--] (5) Manas (mente), (6) Śrotra (poder auditivo), (7) Tvak (poder tátil), (8) Cakṣus (poder visual), (9) Rasanā ou Jihvā (poder gustativo), (10) Ghrāṇa (poder olfativo); [o grupo de Karmendriya-s ou poderes de ação é formado pelos tattva-s 11o ao 15o] (11) Vāk (poder da fala), (12) Pāṇi (poder do manejo), (13) Pāda (poder da locomoção), (14) Pāyu (poder da excreção), (15) Upastha (poder da atividade sexual e tranquilidade); [o grupo de Tanmātra-s ou elementos sutis é formado pelos tattva-s 16o ao 20o] (16) Śabda (som como tal), (17) Sparśa (toque como tal), (18) Rūpa (cor como tal), (19) Rasa (sabor como tal), (20) Gandha (odor como tal); [o grupo de Mahābhūta-s ou elementos brutos é formado pelos tattva-s 21o ao 25o] (21) Ākāśa (éter ou espaço), (22) Vāyu (ar), (23) Agni ou Tejas (fogo), (24) Āpas (água) e (25) Pṛthivī (terra).
SĀṄKHYA
No documento Primeiros Passos (3), eu dou um exemplo claro e longo do sādhanā (prática espiritual) sendo praticado por seguidores do Sāṅkhya (mais informação sobre Sāṅkhya). Nesse exemplo, eu começo com uma simples peça de tecido azul e, gradualmente, enquanto eu concentro a minha mente nele, posso discernir mais e mais categorias ou tattva-s contidas tanto no objeto quanto em mim mesmo. É um processo longo que, finalmente, culmina no estado de Puruṣa (o ser essencial). Então, no Sāṅkhya, o uso do conhecimento é predominante.
Agora, vamos estudar o Yoga, ou seja, o Yoga de Patañjali (Pātañjalayoga).
Este Yoga foi projetado por Patañjali. Esse sábio estabeleceu oito etapas para alcançar esse Yoga ou União com o Supremo. Assim, esse Yoga também é conhecido como "Aṣṭāṅgayoga" (O Yoga dos oito membros). Estudemos cada uma das supracitadas etapas ou membros.
Nos Yogasūtra-s (aforismos do Yoga), Patañjali dá plena forma ao seu método. Os Yogasūtra-s são compostos por 195 aforismos, que são distribuídos em quatro seções: A primeira seção lida com "Concentração" e é formada por 51 aforismos ou sūtra-s; a segunda seção lida com "Prática" e contém 55 aforismos ou sūtra-s; a terceira seção lida com "Poderes sobrenaturais" e consiste de 55 aforismos ou sūtra-s; e, finalmente, a quarta seção lida com "Libertação" e é composta por 34 aforismos ou sūtra-s.
Esta escritura é bem conhecida por todos os praticantes de Yoga, mas só alguns realmente conhecem o seu núcleo. A maioria dos yogī-s e yoginī-s afirmam conhecê-la completamente depois de ler um ou dois aforismos. Não!, para conhecer uma escritura você precisa lê-la completamente, do início ao fim... e várias vezes, certamente. Uma vez, eu tive que ensinar os Yogasūtra-s e, na minha primeira aula, tive que me desculpar, pois só iria ensinar-lhes 25 aforismos, por falta de tempo. A maioria das pessoas dali me disse que não era necessário que eu lhes ensinasse 25 aforismos, já que 4 ou 5 seriam o bastante. Eles me disseram que só se deve conhecer o "núcleo" de uma escritura para entendê-la completamente. Obviamente, eu tive que dizer-lhes que eles deveriam aprender todos os 195 aforismos para realmente entender os Yogasūtra-s, e não só uma vez, mas duas, três ou até mais vezes. Devido à preguiça intelectual disfarçada de "sabedoria", muitos yogī-s e yoginī-s insistem em estudar o "núcleo" das escrituras. O meu conselho, após anos estudando escrituras, é que se deve estudar seriamente uma escritura várias vezes para entendê-la completamente. Após esse estudo, é possível para uma pessoa definir o núcleo da escritura, mas não antes; exceto que essa pessoa tenha alcançado a Iluminação... quantas pessoas realmente chegaram a essa condição e quantas somente fingem tê-la atingido? Então, os meus conselhos são sempre dirigidos a "pessoas que ainda não conseguiram a Libertação". Aquele que conseguiu a Libertação final certamente não precisa dos meus conselhos.
Enquanto você adquire mais e mais conhecimento, você chega a entender o quão pequeno é o seu conhecimento e muitas dúvidas podem surgir. No entanto, algumas pessoas com pouco conhecimento imaginam que têm um conhecimento enorme e, portanto, nenhuma dúvida surge nelas. Assim, enquanto você se aprofunda mais e mais em um assunto, o entendimento virá a você na forma de "não-entendimento". Essa é uma marca certa de sabedoria em você. Por sua vez, pessoas ignorantes vão continuar achando que entenderam tudo completamente. Meu Deus!
Há um comentário primordial dos Yogasūtra-s, cujo autor foi Vyāsa. Estarei incluindo aqui e ali os ensinamentos de Vyāsa entrelaçados com o meu próprio comentário de alguns aforismos relevantes. Bem, vamos ao trabalho:
Nos Yogasūtra-s, Patañjali define as oito etapas no seguinte aforismo:
यमनियमासनप्राणायामप्रत्याहारधारणाध्यानसमाधयोऽष्टावङ्गानि॥२९॥
Yamaniyamāsanaprāṇāyāmapratyāhāradhāraṇādhyānasamādhayo'ṣṭāvaṅgāni||29||
Yama (yama), Niyama (niyama), Āsana (āsana), Prāṇāyāma (prāṇāyāma), Pratyāhāra (pratyāhāra), Dhāraṇā (dhāraṇā), Dhyāna (dhyāna) (e) Samādhi --samādhi-- (samādhayaḥ) (são) os oito (aṣṭau) membros --aṅga-- (do Yoga) (aṅgāni) --após esta declaração, Patañjali descreverá cada um deles em detalhes--||29||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 29, Seção II)
Vamos estudar um por um:
YAMA-S ou ABSTENÇÕES
Patañjali define Yama-s ou Abstenções desta maneira:
अहिंसासत्यास्तेयब्रह्मचर्यापरिग्रहा यमाः॥३०॥
Ahiṁsāsatyāsteyabrahmacaryāparigrahā yamāḥ||30||
Não prejudicar --inocuidade-- (ahiṁsā), Veracidade (satya), Abster-se de roubar (asteya), Continência --morar em Brahma-- (brahmacarya) e Não possuir --abstinência de avareza/cobiça; aparigraha-- (aparigrahāḥ) (são os cinco) Yama-s ou Abstenções (yamāḥ)||30||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 30, Seção II)
Por favor, note que Mahātmā Gandhī, o venerável Bapujī, aplicou-se a aperfeiçoar todos os Yama-s e Niyama-s ao longo do curso de sua vida exemplar. Então, seja consciente de que a força contida nesses ensinamentos aparentemente simples é realmente imensa, e também perceba que, quando um homem ou mulher em particular decide sinceramente praticá-las de forma literal, ele/ela pode desdobrar esse poder e usá-lo para o benefício de todos.
(1) Ahiṁsā ou "Não prejudicar" é abster-se de prejudicar qualquer ser, a qualquer tempo e de qualquer maneira. É praticamente impossível aperfeiçoá-la enquanto se vive neste mundo. É por isso que o Yogī/Yoginī deve se libertar e, após morrer, ele/ela nunca voltará aqui. Desta maneira, se aperfeiçoa a Ahiṁsā. É claro, absolutamente não se estimula o suicídio. De fato, eu não conheço nenhuma filosofia indiana que encoraja isso. Não, eu quero dizer que o Yogī/Yoginī que atingiu a Libertação deve continuar a viver normalmente até a morte chegar a ele/ela por si mesma. Depois disso, ele/ela não retornará aqui (pois não lhe é mais necessário), e, consequentemente, alcançará perfeição em Ahiṁsā. De fato, o resto das Abstenções (Yama-s) e Observâncias (Niyama-s) foram postuladas para a perfeição de Ahiṁsā ou Não prejudicar.
(2) Satya ou "Veracidade" é a correspondência de fala e mente em relação aos fatos. Então, deveria-se falar e pensar sobre o que se percebeu com os próprios sentidos ou se inferiu com a mente. E essas palavras que foram pronunciadas deveriam ser para o benefício de todos. Já que, se prejudicassem alguém, o primeiro Yama ou Abstenção --Não prejudicar-- seria violado.
(3) Asteya ou "Abster-se de roubar" é não tomar ilegalmente coisas que pertencem a outras pessoas. O significado é fácil de entender, não é?
(4) Brahmacarya ou "Continência" é suprimir o desejo sexual e quaisquer outras atividades que levem a ele. Uma tradução literal do termo "Brahmacarya" (morar em Brahma ou um vagar em Brahma) dá como resultado um significado mais amplo. Deste ponto de vista, praticar Brahmacarya é viver uma vida que é completamente devotada a Brahma (Realidade Última). Neste tipo de vida, o aspirante faz tudo o que é necessário para atingir a Libertação total. Ou seja, se Brahmacarya fosse traduzido desta forma, incluiria todas as oito etapas do Pātañjalayoga. Já basta disso.
(5) Aparigraha ou "Abstinência de avareza ou cobiça" é desistir de tomar ou cobiçar objetos. Esse comportamento sábio é baseado no seguinte raciocínio: "Tudo está sujeito a decadência neste mundo. Nada permanece igual, nem por um segundo. Toda a felicidade que é baseada sobre tais coisas efêmeras está fadada a desaparecer mais cedo ou mais tarde. Além disso, experimentam-se tantos problemas quando se tenta obter e conservar esses objetos. Certamente, não são dignos do nosso esforço." Isto é renúncia a coisas materiais neste mundo e traz uma enorme paz interna.
NIYAMA-S ou OBSERVÂNCIAS
Patañjali define Niyama-s ou Observâncias desta forma:
शौचसन्तोषतपःस्वाध्यायेश्वरप्रणिधानानि नियमाः॥३२॥
Śaucasantoṣatapaḥsvādhyāyeśvarapraṇidhānāni niyamāḥ||32||
Limpeza (śauca), Contentamento (santoṣa), Austeridade ou Penitência (tapas), Estudo e Recitação de Escrituras Sagradas (svādhyāya), e Devoção --praṇidhāna-- (praṇidhānāni) ao Senhor (Supremo) (īśvara) (são os cinco) Niyama-s ou Observâncias (niyamāḥ)||32||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 32, Seção II)
Essas cinco Observâncias são uma espécie de complemento às cinco primeiras Abstenções. Se alguém praticá-las, isto resultará em imensa paz. Todos esses Yama-s e Niyama-s têm como finalidade preparar um aspirante para as etapas seguintes, que, ao final, produzirão Libertação nele no devido curso de tempo.
(1) Śauca ou "Limpeza" é tanto externo quanto interno. O primeiro lida com o banho purificador e o consumo de alimento puro; enquanto que o segundo está relacionado à extirpação de toda a sujeira mental, a qual constitui um estorvo no próprio caminho espiritual.
(2) Santoṣa ou "Contentamento" é a ausência de desejo por quaisquer possessões além das que são necessárias para manter a própria vida. Para desenvolver contentamento, deve-se viver com uma atitude positiva apesar de todos os tipos de circunstâncias (boas ou más). O que é uma atitude positiva? Não é estupidez ou otimismo excessivo, mas sim uma alegria constante baseada na sabedoria, frente a qualquer circunstância adversa. Para poder criar essa atitude em si mesmo, deve-se desenvolver desapego de todas as coisas materiais e pessoas. Se alguém sentir apego, lhe será extremamente difícil manter uma atitude alegre sempre, pois a sua felicidade dependerá daquele objeto material ou pessoa pela qual sente apego. É por isso que os Yama-s anteriores devem ser praticados antes de tentar realizar qualquer um desses Niyama-s. Brahmacarya (Continência) e Aparigraha (Não possessão) serão de especial ajuda para o aperfeiçoamento de Santoṣa (Contentamento).
(3) Tapas ou "Austeridade ou Penitência" é ser capaz de suportar os pares de opostos (calor-frio, prazer-dor, etc.). Quando alguém o pratica, deve observar silêncio. Essa observância de silêncio é Mauna e tem dois aspectos: Kāṣṭha e Ākāra. No primeiro, você observa silêncio absoluto, e nem mesmo simples gestos comunicativos são permitidos. É, certamente, um voto estrito de silêncio. Por sua vez, a segunda forma de Mauna envolve não falar, mas gestos podem ser realizados para comunicar algo. De acordo com Vyāsa, Tapas também inclui jejum e privação em relação a vários votos religiosos.
(4) Svādhyāya ou "Estudo de escrituras e Canto de mantra-s" se ocupa com o estudo de todas as escrituras sagradas que versem sobre a Iluminação e com a repetição do Praṇava (Om̐). Contudo, também envolve a recitação de longos textos espirituais (Bhagavadgītā, Gurugītā, Viṣṇusahasranāma e similares). Esta prática é altamente recomendada para atingir concentração mental e pureza.
(5) Īśvarapraṇidhāna ou "Devoção ao Senhor (Supremo)" é simplesmente render todas as ações ao Supremo Guru. Ou seja, como é afirmado por Vyāsa em seu comentário: "Īśvarapraṇidhānaṁ tasminparamagurau sarvakarmārpaṇam" --Devoção ao Senhor é oferecer todas as ações àquele Supremo Guru--. Quem é esse Guru Supremo? É Deus como Mestre espiritual em todos nós. Render todas as suas ações a Ele é Praṇidhāna real ou devoção. Por meio desta prática, perde-se gradualmente o apego a ações e, consequentemente, você se liberta do Karma. Após alcançar êxito em Iśvarapraṇidhāna, removem-se todos os obstáculos do seu próprio caminho.
ĀSANA ou POSTURA
Patañjali define Āsana ou Postura desta forma:
स्थिरसुखमासनम्॥४६॥
Sthirasukhamāsanam||46||
A Postura (āsanam) (deveria ser) firme (sthira) e agradável (sukham)||46||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 46, Seção II)
Diferente do bem-conhecido Haṭhayoga, que ensina um certo número de Āsana-s ou Posturas, o sábio Patañjali só especifica que a Postura deveria ser firme (sem movimento) e agradável (confortável). Em outras palavras, você deve ser capaz de permanecer firme naquela postura por um período de tempo sem sentir dor. Assim, a sua mente pode facilmente se concentrar no objeto de meditação. Se os seus joelhos estiverem doendo, por exemplo, você achará difícil concentrar a mente, pois muita atenção será dada a essa dor. Vyāsa recomenda as seguintes posturas no seu comentário sobre esse aforismo ou sūtra: "Padmāsana, Vīrāsana, Bhadrāsana, Svastikāsana, Daṇḍāsana, Sopāśraya, Paryaṅka, Krauñcaniṣadana, Hastiniṣadana, Uṣṭraniṣadana e Samasaṁsthāna". A primeira Postura (Padmāsana ou postura de Lótus) é altamente recomendada. De tudo o que é ensinado por Patañjali sobre Āsana, fica claro que ele só estava interessado em Posturas para meditação. Patañjali diz, em um aforismo seguinte a este, que a perfeição de Āsana é obtida por meio de relaxamento do esforço e meditação no infinito. Ou seja, você deve relaxar enquanto pratica um Āsana, e concentrar a sua mente no espaço infinito à sua volta, que é sentido como uma espécie de vazio. Você sente, inclusive, que o seu próprio corpo é vazio. Então, você atinge perfeição em Āsana ou Postura. Āsana é uma etapa crucial no Pātañjalayoga, pois é a base na qual você desenvolverá o resto da sua prática yôguica. Aperfeiçoe-a antes de ir mais adiante.
PRĀṆĀYĀMA ou TORNAR-SE CONSCIENTE DA REAL DIMENSÃO DO PRĀṆA OU ENERGIA VITAL
Patañjali define Prāṇāyāma ou Tornar-se Consciente da real dimensão do Prāṇa ou Energia Vital, desta forma:
तस्मिन्सति श्वासप्रश्वासयोर्गतिविच्छेदः प्राणायामः॥४९॥
Tasminsati śvāsapraśvāsayorgativicchedaḥ prāṇāyāmaḥ||49||
Uma vez que esse (tasmin) (Āsana ou Postura) tenha sido (aperfeiçoado) (sati), Prāṇāyāma (prāṇāyāmaḥ), (que) é a suspensão (vicchedaḥ) do fluxo (gati) de inalação (śvāsa) e exalação --praśvāsa-- (praśvāsayoḥ), (deveria ser desenvolvido)||49||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 49, Seção II)
A suspensão deve ser interna ou externa. Há três "operações" ou "vṛtti-s": Bāhya (externa), Abhyantara (interna) e Stambha (supressão). No entanto, não se deve compará-las ao bem-conhecido Recaka (exalação), Pūraka (inalação) e Kumbhaka (suspensão) do Haṭhayoga. De jeito nenhum!
Eu não vou lhe ensinar mais nada sobre Prāṇāyāma, pois é muito perigoso praticá-lo se você não tiver um guru pessoal e apropriado que o guie. Ensino Prāṇāyāma aos meus alunos, mas eu posso avaliar os seus sistemas pessoalmente. Mesmo podendo acompanhar o desenvolvimento de uma técnica neles, eu ainda sou muito cuidadoso. Consequentemente, não é algo que possa ser ensinado "on-line". Se o seu sistema respiratório for danificado devido a uma prática incorreta do Prāṇāyāma, será muito difícil consertá-lo. Você poderá morrer no processo se continuá-lo por muito tempo, ou enfrentar sérios problemas corporais. Alguns livros ensinam umas técnicas perigosas de Prāṇāyāma sem considerar os problemas que mencionei, e isso não faz bem para você, sem dúvida. Apesar de a maioria dos autores desses livros dizer que você deve procurar um guru, mesmo assim explicam técnicas específicas. Isso é muito ruim, pois um dano sério pode afetar uma pessoa que as praticar meramente lendo livros. Esta é a minha opinião sobre o Prāṇāyāma. Há coisas que devem ser aprendidas "pessoalmente" de um guru, e não de um livro ou site.
Portanto, consiga um bom guru de Prāṇāyāma e aprenda dele esta sublime ciência. Prāṇāyāma é como o fogo... ele pode cozinhar a sua comida... ou queimá-lo se você não o usar direito.
Por meio da prática do Prāṇāyāma, a mente adquire aptidão para a concentração.
PRATYĀHĀRA ou RETIRADA DOS SENTIDOS
Patañjali define Pratyāhāra ou Retirada dos sentidos desta forma:
स्वविषयासम्प्रयोगे चित्तस्य स्वरूपानुकार इवेन्द्रियाणां प्रत्याहारः॥५४॥
Svaviṣayāsamprayoge cittasya svarūpānukāra ivendriyāṇāṁ pratyāhāraḥ||54||
Pratyāhāra ou a Retirada (pratyāhāraḥ) dos Indriya-s --5 Jñānendriya-s ou poderes de percepção, e 5 Karmendriya-s ou poderes de ação-- (indriyāṇām) (é), por assim dizer (iva), um seguir (anukāraḥ) a natureza essencial (sva-rūpa) da mente (cittasya) (por parte desses mesmos Indriya-s), quando se separam (asamprayoge) dos seus (correspondentes) (sva) objetos (viṣaya)||54||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 54, Seção II)
Os sentidos imitam a natureza da mente, porque perderam contato com os seus próprios objetos "sensoriais". É como um grupo de abelhas seguindo a abelha rainha. Se a abelha rainha avançar, todas elas também avançarão. Por sua vez, se ela parar, todas elas pararão também. Assim, no Pātañjalayoga, o controle direto dos sentidos é desnecessário. Somente basta uma firme resolução de interiorizar a própria mente. Todos os sentidos a seguirão. É um simples ensinamento, mas, ao mesmo tempo, muito útil. Devo dizer que o Pratyāhāra resulta diretamente da etapa anterior: Prāṇāyāma. Contudo, você também pode entrar nesse estado por meio de uma atitude indiferente em relação a objetos sensoriais. Desapego e renúncia em relação a coisas externas acaba trazendo um profundo Pratyāhāra. Esse membro ou etapa é muito importante para ter êxito nos aṅga-s seguintes.
DHĀRAṆĀ ou CONCENTRAÇÃO
Patañjali define Dhāraṇā ou Concentração desta forma:
देशबन्धश्चित्तस्य धारणा॥१॥
Deśabandhaścittasya dhāraṇā||1||
Concentração (dhāraṇā) é a fixação (bandhaḥ) da mente (cittasya) em um ponto (deśa)||1||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 1, Seção III)
Vyāsa diz que se deve fixar a própria mente ou no Cakra do umbigo, ou no Cakra do coração, ou na luz da cabeça, ou na ponta do nariz ou da língua, ou em pontos similares do corpo, ou em uma coisa externa. Isto é, onde quer que a sua mente esteja fixa em um instante, isso é concentração. A Dhāraṇā dura somente um curto período de tempo. Quando esse período aumenta, a Concentração se torna Dhyāna (Meditação).
DHYĀNA ou MEDITAÇÃO
Patañjali define Dhyāna ou Meditação desta forma:
तत्र प्रत्ययैकतानता ध्यानम्॥२॥
Tatra pratyayaikatānatā dhyānam||2||
Nesse --em Dhāraṇā-- (tatra), o fluxo contínuo de similares (ekatānatā) modificações mentais (pratyaya) é Meditação (dhyānam)||2||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 2, Seção III)
Dhyāna é simplesmente um fluxo contínuo de similares modificações mentais. É uma Dhāraṇā prolongada. Pode-se comparar a Dhāraṇā com uma gota caindo, enquanto Dhyāna é um fluxo contínuo e homogêneo formado por essas mesmas gotas. Em Dhyāna, você retém, por um longo tempo, a imagem mental do objeto no qual você está concentrando a sua mente. Em Dhāraṇā, a imagem mental do objeto é intermitente, enquanto que, em Dhyāna, é ininterrupta. Vá à seção Trika no nosso site e aprenda mais sobre isso. Obviamente, nesta seção, explico a meditação segundo o Trika. No entanto, os rudimentos da meditação permanecem os mesmos em praticamente todos os sistemas, só mudam as técnicas e os modos de abordar a meditação.
De fato, todo mundo tem que meditar obrigatoriamente todos os dias. Por exemplo, enquanto dirige um automóvel, se você não meditar na rua, baterá o seu automóvel. Não acredita? Então, tente você mesmo! Haha! A diferença entre esse tipo de meditação e o ensinado pelo Pātañjalayoga, pelo Trika, pelo Vedānta e por todo o resto, está no objeto de meditação. Enquanto dirige um carro, você medita (isto é, concentra a sua mente em algo por um período de tempo prolongado) em "uma rua em particular", enquanto que, no segundo caso, você medita em "coisas espirituais". Contudo, se você concentrar a atenção na ponta do nariz, isso não é, aparentemente, algo realmente espiritual. Ainda assim, se o objetivo final que você quer alcançar por meio dessa meditação for espiritual, essa simples concentração dos olhos na ponta do nariz também pode ser considerada espiritual. Em suma, a meditação "espiritual" usa um objeto "espiritual" de meditação, mas a meditação "mundana" não. De acordo, as palavras são incapazes de definir com exatidão a diferença, pois termos tais como "espiritual" e "mundano" são tão ambíguos, mas, que diabos, estamos condicionados a utilizá-los. Então, todas as pessoas já sabem como meditar, mas o seu objeto de meditação deveria ter uma natureza "espiritual" pelo menos uma vez por dia. Ou seja, uma vez por dia, deveriam meditar na Suprema Realidade com qualquer forma ou atributo que lhe possam atribuir, ou até mesmo sem forma ou atributo algum.
SAMĀDHI ou PERFEITA CONCENTRAÇÃO
Patañjali define Samādhi ou Perfeita Concentração desta forma:
तदेवार्थमात्रनिर्भासं स्वरूपशून्यमिव समाधिः॥३॥
Tadevārthamātranirbhāsaṁ svarūpaśūnyamiva samādhiḥ||3||
A Perfeita Concentração (samādhiḥ) é unicamente (eva) essa (condição) (tad) na qual somente (mātra) o objeto (de concentração) (artha) brilha (ou se manifesta) (nirbhāsam), e o ser (sva-rūpa) está ausente (śūnyam), por assim dizer (iva)||3||
(Yogasūtra-s de Patañjali, aforismo 3, Seção III)
O comentário de Vyāsa sobre essa aforismo é bem curto, mas tem um rico significado:
"Dhyānameva dhyeyākāranirbhāsaṁ pratyayātmakena svarūpeṇa śūnyamiva yadā bhavati dhyeyasvabhāvāveśāttadā samādhirityucyate"
--Quando há uma meditação na qual só brilha --se manifesta-- a forma do objeto, e o ser (cuja natureza é "pratyaya" ou "pensamento") está ausente, por assim dizer, devido a uma absorção na natureza essencial do supracitado objeto; então, a isto se chama Samādhi ou Perfeita Concentração--.
Por meio do Samādhi, quando se o aplica a qualquer dos pontos recomendados por Vyāsa, alcança-se, por último, o Kaivalya, condição em que a dor não mais existe.
Mais acerca de Aṣṭāṅgayoga aqui.
As seis filosofias tradicionais e o Trika: Pūrvamīmāṁsā e Vedānta
Estes dois sistemas filosóficos baseiam-se diretamente nos Veda-s. Também são Āstikadarśana-s, é claro. Já que o assunto é longo e abstruso, avancemos passo a passo.
PŪRVAMĪMĀṀSĀ
Os nomes dos quatro Veda-s (lit. conhecimento) são os seguintes: Ṛk, Yajus, Sāma e Atharva; mas, se for adicionado "veda" a eles, o resultado final é: Ṛgveda, Yajurveda, Sāmaveda e Atharvaveda. Os Veda-s eram originalmente três livros, mas, então, o quarto (Atharvaveda) foi adicionado. Os Veda-s, estritamente falando, consistem em "somente" duas seções: Mantra e Brāhmaṇa. Por um lado, na seção Mantra, especificam-se palavras de louvação e adoração direcionadas ao sol, ao fogo, ao vento e similares. Rezas por saúde, riqueza, vida longa, bem-estar, etc. também são incluídas. Por outro lado, na seção Brāhmaṇa, há duas subseções: Vidhi e Arthavāda. Vidhi trata dos detalhes das cerimônias nas quais se devem utilizar os hinos (mantra-s). Vidhi está cheio de preceitos sobre como se deve realizar um rito em particular. E Arthavāda lida com a explicação das lendas relacionadas com esses hinos (mantra-s). Arthavāda está repleto de "declarações explicativas" em relação à história por trás de cada rito e mantra. Também há muitas histórias e ilustrações. Os volumosos tratados da seção Brāhmaṇa foram escritos em prosa.
O primeiro Veda (Ṛk) é uma coleção de diferentes tipos de hinos, que constituem versos de louvação, seguindo as regras da métrica. São hinos de sabedoria, e foram feitos para recitação em voz alta. Por sua vez, os hinos do Yajus são em prosa e são feitos para recitação em sacrifícios, mas em um tom mais baixo. Yajus é a escritura dos Yajña-s ou ritos sacrificais. Os hinos do Sāma são em métrica, e foram feitos para canto nas cerimônias do Soma. Esses hinos litúrgicos são principalmente pegos do Ṛgveda. A maioria dos hinos do Atharvaveda é original, mas alguns deles também foram pegos do Ṛgveda. Consequentemente, você pode ver que o Ṛk ou Ṛgveda é o Veda mais importante.
Então, os Veda-s são formados por duas seções: Mantra e Brāhmaṇa. No entanto, duas outras seções são adicionadas a ele. Como assim? Ouça:
Os Brāhmaṇa-s deram origem aos Āraṇyaka-s. O que são Āraṇyaka-s? Esses tratados, escritos em prosa, são uma espécie de interpretação da seção ritual (formada por Mantra e Brāhmaṇa). A sua porção final são os Upaniṣad-s, que constituem o núcleo do Vedānta (próxima filosofia depois de Pūrvamīmaṁsā). Os Āraṇyaka-s são uma transição e uma ligação entre o ritualismo dos Brāhmaṇa-s e a filosofia dos Upaniṣad-s. A seção Āraṇyaka continua a interpretar os ritos prescritos na seção ritual, mas na forma de alegorias. A tabela a seguir será de especial ajuda para que você entenda toda a minha explicação:
AS QUATRO SEÇÕES DOS VEDA-S
(mesmo que, estritamente falando, somente os dois primeiros --Mantra e Brāhmaṇa-- sejam o verdadeiro Veda)
MÁNTRA | BRĀHMAṆA | ĀRAṆYAKA | UPANIṢÁD |
Formada por hinos de louvação e adoração direcionados ao sol, ao fogo, ao vento e similares. Além disso, há rezas para curar doenças, evitar o mal, etc. | (1) Vidhi: Uma seção do Brāhmaṇa que lida com os detalhes das cerimônias em que esses hinos devem ser utilizados. | Interpretação alegórica da seção ritual anterior. É uma espécie de transição entre o ritualismo dos Brāhmaṇa-s e a filosofia dos Upaniṣad-s. | É a porção final dos Āraṇyaka-s e o núcleo da filosofia do Vedānta. 108 Upaniṣad-s sobreviveram, mas somente 10 são os mais importantes. |
(2) Arthavāda: Uma seção do Brāhmaṇa que lida com a explicação das lendas relacionadas àqueles mesmos hinos. |
Podemos considerar os Veda-s como sendo divididos em duas seções maiores com uma etapa de transição. O Mantra e o Brāhmaṇa constituiriam a primeira, enquanto que o Upaniṣad seria a segunda. O Āraṇyaka seria a transição. A primeira seção "maior" também é conhecida como Śruti, ou "aquele conhecimento sagrado que foi ouvido e passado de guru a discípulo desde o começo". A palavra "Śruti" deriva da raiz "śru" (ouvir), e é por isso que marquei em negrito e itálico a palavra "ouvido". É um conhecimento que deve ser mais ouvido que lido.
Então, o sistema chamado de Pūrvamīmāṁsā é baseado na primeira seção maior (Mantra e Brāhmaṇa), enquanto o outro sistema restante --Vedānta-- é baseado na segunda seção maior (Upaniṣad). A palavra Pūrvamīmāṁsā é formada por dois termos: Pūrva (primeiro) e Mīmāṁsā (questionamento, investigação). Assim, a tradução não é "primeiro questionamento", mas sim "um questionamento sobre o primeiro". Em outras palavras, "um questionamento sobre a primeira seção maior, composta por Mantra e Brāhmaṇa". Agora, olhe esta tabela:
MÁNTRA | BRĀHMAṆA | ĀRAṆYAKA | UPANIṢÁD |
PŪRVAMĪMĀṀSĀ (um questionamento sobre a primeira seção maior, composta por Mantra e Brāhmaṇa) |
Uma etapa de transição | UTTARAMĪMĀṀSĀ ou VEDĀNTA (um questionamento sobre a última seção maior, que consiste em Upaniṣad) |
Obviamente, como a primeira seção maior é predominantemente ritualística, a prática primordial para um "mīmāṁsaka" (seguidor da Pūrvamīmāṁsā) é a ação ritual. O sábio Jaimini foi tanto o fundador quanto o autor dos Mīmāṁsāsūtra-s (a principal obra desta escola). Um mīmāṁsaka deve investigar todos os detalhes dos rituais védicos. Ele também deve realizar rituais de modo a obter conhecimento direto da cerimônia apropriada. Ele busca pela libertação da ação e dos seus frutos por meio da realização de ações especiais (os próprios rituais). E, claro, ele deve seguir o Dharma ou dever religioso prescrito pelos Veda-s. O Dharma é primordial para um mīmāṁsaka. Se ele seguir estritamente o Dharma, muito mérito virá a ele. Caso contrário, muito demérito virá.
Cada Veda é dirigido para somente um dos quatro tipos de sacerdote... mas explicarei tudo isso a você, junto de algum conhecimento específico sobre rituais, algum dia. Será uma loooonga jornada, mas sem nenhum veículo a não ser o seu intelecto exausto, haha!
Bem, já chega disso. Estudemos o Uttaramīmāṁsā ou Vedānta agora:
UTTARAMĪMĀṀSĀ ou VEDĀNTA
A palavra "uttara" significa "último". Portanto, "uttaramīmāṁsā" é "um questionamento sobre a última seção maior dos Veda-s", ou seja, os Upaniṣad-s. A tradução do termo "Vedānta" tem um significado duplo. A palavra "anta" significa literalmente "fim". Assim, "Vedānta" significaria "o fim dos Veda-s", porque os Upaniṣad-s (nos quais o sistema vedântico foi originalmente baseado) podem ser encontrados ali, no final dos Veda-s. Uma segunda tradução possível seria "a conclusão dos Veda-s", no sentido de "um primoroso resumo da Verdade védica".
Eu disse que havia 108 Upaniṣad-s, mas somente 10 são os mais importantes. Seus nomes são os seguintes: Īśa, Kena, Chāndogya, Praśna, Māṇḍūkya, Taittirīya, Aitareya, Kaṭha, Muṇḍaka e Bṛhadāraṇyaka. O último é, de longe, o Upaniṣad mais extenso. Contém o extraordinário diálogo entre o sábio Yājñavalkya e a nobre yoginī Gārgī. A distribuição desses Upaniṣad-s, nos Veda-s, é a seguinte: o Ṛgveda contém o Aitareya; o Sāmaveda contém o Chāndogya e o Kena; o Yajurveda contém o Īśa, o Taittirīya, o Bṛhadāraṇyaka e o Kaṭha; enquanto que o Atharvaveda contém o Praśna, o Muṇḍaka e o Māṇḍūkya.
Várias escolas de Vedānta emergiram dos Upaniṣad-s, mas somente três são as maiores: Advaita (Vedānta não-dual), Viśiṣṭādvaita (Vedānta não-dual qualificado) e Dvaita (Vedānta dual). Apesar de essas três escolas terem os Upaniṣad-s como origem, ainda existem dois livros importantes: os Vedāntasūtra-s (também conhecidos como "Brahmasūtra-s") e a Bhagavadgītā. Essa tríade literária (Upaniṣad-s, Vedāntasūtra-s e Bhagavadgītā) constitui a base sobre a qual todo o Vedānta é fundado. Também é chamada de Prasthānatraya ou sistema triplo. Nesse sistema triplo, os Upaniṣad-s são a śruti ou "revelação a ser ouvida"; a Bhagavadgītā é a smṛti ou "verdade a ser lembrada" e os Vedāntasūtra-s são o nyāya ou "método".
PRASTHĀNATRAYA ou SISTEMA TRIPLO | ||
Upaniṣad-s (Śruti ou revelação a ser ouvida) |
Bhagavadgītā (Smṛti ou verdade a ser lembrada) |
Vedāntasūtra-s or Brahmasūtra-s (Nyāya ou método) |
Cada escola vedântica explica essas três escrituras de uma maneira diferente, segundo o seu ponto de vista particular. E os respectivos seguidores asseveram que o seu ponto de vista é o correto. Eu sempre me surpreendi com o estranho comportamento por parte da grande maioria dos seguidores de algum sistema filosófico em particular, não somente o Vedānta. Os mestres do Trika também afirmam estarem certos, mas sinto que sua teimosia não é tão severa quanto a de muitos mestres de outras escolas, talvez pelo Trika ter só mil anos de idade. Também possui uma atitude positiva de incluir em si mesmo outros sistemas. Quando percebi nele essa característica, dediquei minha vida inteira ao Trika. E estou tentando, por meio destes documentos, produzir uma síntese de todas as escolas filosóficas, extraindo de todas a sua melhor parte. Contudo, o problema anterior não é causado pelas filosofias em si, mas sim por muitos seguidores de mente estreita dessas filosofias. Ninguém pode afirmar ser o dono absoluto da Verdade, pois todos esses donos "aparentes" emergiram de e serão finalmente absorvidos por essa mesma Verdade. Penso que cada escola tem uma parte Dela (inclusive o Trika). Portanto, estou ensinando um Trika mais abrangente, no qual todas as escolas têm lugar (incluindo o Trika tradicional). Na minha opinião, as várias escolas são uma espécie de pedestal no qual a águia da Verdade pousa de vez em quando. Então, você pode encontrar a águia pousando e ficando lá por um tempo, mas a águia é a águia, e os pedestais são os pedestais. Quando as pessoas prestam muita atenção aos pedestais e, consequentemente, perdem de vista a águia "livre" da Verdade, esses "donos da Verdade" aparecem, e o velho problema surge novamente. Isto é, pessoas lutando contra pessoas. De nada serve esse comportamento primitivo.
Vamos estudar as três escolas do Vedānta, uma por uma:
Advaitavedānta
É, obviamente, baseada no não-dualismo absoluto na forma de Brahma satyam (Brahma é a Verdade), Jaganmithyā (O mundo é ilusório) e Jīvo brahmaiva nāparaḥ (A alma individual não é outra senão Brahma). Brahma, ou o Absoluto, é a Suprema Realidade. O resto é ilusório, ou mithyā, nem real nem irreal. Nessa escola, dois autores merecem destaque: Gauḍapāda e Śaṅkarācārya. Aquele escreveu obras cruciais, como Śārīrakabhāṣya, Ātmabodha, Vivekacūḍāmaṇi, Upadeśasāhasrī, etc. Foi Śaṅkara que deu total apoio à teoria de uma Māyā ilusória ou Avidyā (Ignorância), manifestando um universo similarmente ilusório. Por sua vez, este escreveu uma obra muito importante chamada Māṇḍūkyakārikā, na qual dá plena forma ao seu Asparśayoga ou Yoga Sem Contato. O que é isso? O próprio Gauḍapāda o explica em três versos da sua Māṇḍūkyakārikā:
सर्वाभिलापविगतः सर्वचिन्तासमुत्थितः।
सुप्रशान्तः सकृज्ज्योतिः समाधिरचलोऽभयः॥३७॥
ग्रहो न तत्र नोत्सर्गश्चिन्ता यत्र न विद्यते।
आत्मसंस्थं तदा ज्ञानमजति समतां गतम्॥३८॥
अस्पर्शयोगो वै नाम दुर्दर्शः सर्वयोगिभिः।
योगिनो बिभ्यति ह्यस्मादभये भयदर्शिनः॥३९॥
Sarvābhilāpavigataḥ sarvacintāsamutthitaḥ|
Supraśāntaḥ sakṛjjyotiḥ samādhiracalo'bhayaḥ||37||
Graho na tatra notsagaścintā yatra na vidyate|
Ātmasaṁsthaṁ tadā jñānamajati samatāṁ gatam||38||
Asparśayogo vai nāma durdarśaḥ sarvayogibhiḥ|
Yogino bibhyati hyasmādabhaye bhayadarśinaḥ||39||
A Perfeita Concentração (em Ātmā, o Ser interior) (samādhiḥ) está desprovida (vigataḥ... asamutthitaḥ) de todas (sarva) as expressões (abhilāpa) e de todos (sarva) os pensamentos (cintā). É totalmente pacífica (supraśāntaḥ), sempre luminosa (sakṛt jyotiḥ), imutável (acalaḥ) (e) sem medo (abhayaḥ)||37||
Onde (yatra) não há nem (na vidyate) pensamentos (cintā) nem (na) oferendas (utsargaḥ), nada há (na) em que se segurar (grahaḥ) ali (tatra). Então (tadā), o Conhecimento (jñānam) inerente (saṁstham) em Ātmā (ātma) é não-nascido (ajati) (e) uniforme (samatām gatam)||38||
(Aquilo que) é conhecido (nāma) como Yoga (yogaḥ) Sem Contato (asparśa) é certamente (vai) difícil de ser visto (durdarśaḥ) por todos (sarva) os yogī-s (yogibhiḥ), já que (hi) (esses) yogī-s (yoginaḥ) têm medo (bibhyati). (Eles sentem esse medo) por causa disto (asmāt): "Eles veem (darśinaḥ) medo (bhaya) onde não há nenhum (abhaye)"||39||
(Māṇḍūkyakārikā, terceiro kārikā --Advaitaprakaraṇa--)
Você gostou do Sânscrito, não? Esta é uma das vantagens de ser capaz de ler diretamente textos em Sânscrito: "Você pode entrar diretamente em contato com a fonte do conhecimento. Nenhum tradutor entre você e a escritura". É claro, eu leio as traduções dos estudiosos que pertencem a uma tradição em particular de modo a aprender o "jargão filosófico" inerente a essa escola. No entanto, o resto depende de mim.
O problema de muitos tradutores é que geralmente "põem" algo deles mesmos na tradução. Isso é geralmente um ato inconsciente, sem intenções maliciosas por trás, mas corrompe o texto original. E o que é esse "algo deles mesmos"? Por exemplo: "Eles comentam o texto sânscrito na própria tradução". Não estou me referindo à mera adição de algumas palavras para completar o sentido, pois isso geralmente é necessário (eu mesmo o faço). Não, estou falando sobre um comentário que não é necessário dentro do texto original. Por exemplo: "Eles veem medo onde não há nenhum, mas, já que não há medo em Ātmā, eles não deveriam ver nenhum medo nela". A última frase (em itálico) é um comentário pessoal disfarçado de recomendação sábia, e é desnecessária. Deveria ser colocada depois de toda a tradução, se necessário, sob o título de "Comentário". Desta vez, o comentário pode estar certo, mas, da próxima, quem sabe? Devido a essa prática, muitas escrituras são erroneamente entendidas por pessoas sem conhecimento da língua Sânscrita. E a consequência disso tudo é, obviamente, um fardo desnecessário de ignorância, na forma de mal-entendimento, sobre as já exaustas costas desses leitores que, lendo Escrituras em Sânscrito, buscavam um alívio para a sua opressão. No entanto, só conseguiram mais confusão e dor subsequente. Então, toda vez que traduzo, avanço devagar e cuidadosamente, apesar de entender o significado do texto em sua totalidade, pois não quero pôr outra pedra nas costas dos leitores.
E, finalmente, há aqueles tradutores que deliberadamente adaptam ao seu ponto de vista pessoal a tradução de uma escritura em particular. Bem, esse é um ato realmente depreciável. Esse comportamento é baseado na mais baixa natureza do homem. É melhor não tocar numa pessoa dessas nem com uma loooooonga vara. É triste, mas a maldade humana é uma experiência quotidiana. Uma pessoa sábia sempre trabalha pelo benefício de todos, e não apenas de si mesmo.
Bem, no que diz respeito ao Asparśayoga, você pode ver que ele é chamado assim porque é uma absorção total em Ātmā (o Ser interior). Nesse Samādhi, não há nenhum tipo de suporte no qual alguém poderia se sustentar. Assim, esse particular Yoga de Gauḍapāda é conhecido como Yoga "Sem Contato", ou Yoga sem nenhum tipo de Apoio. Ele também desenvolveu o "Praṇavayoga", ou aquele Yoga em que se repete o mantra sagrado Om̐. Mas esse é um longo tema que será desenvolvido em outra ocasião.
O outro famoso mestre do Advaitavedānta foi Śaṅkarācārya. Ele desenvolveu plenamente a controversa teoria da Māyā ou Poder Ilusório. Somente Brahma é real, enquanto que o mundo é uma mera ilusão. O termo "ilusão" não significa "irreal". Nem um pouco. Como o mundo surge de Brahma, herda um pouco de Sua "realidade". Então, esse mundo ilusório é uma mistura de "realidade" e "irrealidade". É a prestidigitação de Māyā. Em Advaitavedānta, Māyā é o poder ilusório responsável por toda essa manifestação. A palavra "Avidyā" (Ignorância) é um epíteto para ela. Māyā tem seis atributos: (1) Anirvacanīyā (indescritível), (2) Jñānanivartyā (anulável por meio de conhecimento correto), (3) Anādi (sem início), (4) Āvaraṇā/Vikṣepā (vela e projeta), (5) Brahmasaṁsthā/Jīvasaṁsthā (se localiza em Brahma ou na alma individual) e (6) Bhāvarūpā (positiva em sua natureza). Exceto pelo segundo atributo, o resto será explicado para você em algum documento futuro. Seja paciente.
O segundo atributo declara que a Māyā é Jñānanivartyā, ou anulável por meio de conhecimento correto. Esse é o núcleo da sādhanā (prática espiritual) do Advaitavedānta. O seguidor dessa escola tenta obter conhecimento correto sobre a natureza de Ātmā (Ser interior) e Brahma (Ser cósmico). Na verdade, Ātmā é Brahma e vice-versa. Como a Māyā é Avidyā ou Ignorância, no sentido de "oposta a Vidyā ou conhecimento correto", o seguidor do Advaitavedānta quer obter Vidyā ou das palavras do seu mestre espiritual, ou de escrituras prescritas. Então, a prática predominante em Advaitavedānta é o Jñānayoga (Yoga do Conhecimento). Você precisa desenvolver um intelecto sutil e forte para captar as sutilezas dessa escola. Quando você apreende a realidade de Brahma, a Māyā é imediatamente dissolvida e você obtém Libertação final. Essa Iluminação não é uma "nova" aquisição, mas sim a revelação de uma sempre presente realidade que fora velada pela Māyā ou Avidyā.
Bem, agora, Viśiṣṭādvaitavedānta.
Esse é o Vedānta não-dual qualificado. É uma espécie de mistura entre "não-dualismo" e "dualismo". Rāmānuja foi o fundador dessa escola e o principal autor de suas escrituras: Śrībhāṣya, Vedāntasāra, etc. Não obstante, houve, obviamente, outros autores nessa tradição: Yāmunācārya, Ālvārs, Īḍu, Sudarśanasūri, Vedāntadeśika, etc. Eles escreveram grandes obras tais como: Nālāyira Divya Prabandha, Āgamaprāmāṇya, Śrutaprakāśikā, Tattvaṭīkā, etc. A escola declara três realidades: Īśvara, cít e acit. Essas existem de uma maneira inseparável, mas as duas últimas são completamente dependentes do Īśvara. Cit é o ser individual, acit é a matéria inconsciente, enquanto que Īśvara é o Supremo Senhor. Ele está dentro e além de tudo. Também é a última causa eficiente de tudo. Tem cinco aspectos: Para (supremo), Vyūha (emanações), Vibhava (encarnações), Antaryāmī (espírito interior) e Arcā (ídolos sagrados).
ĪŚVARA OU O SUPREMO SENHOR E SEUS CINCO ASPECTOS | ||||
PARA (Supremo) |
VYŪHA (emanações) |
VIBHAVA (encarnações) |
ANTARYĀMI (espírito interior) |
ARCĀ (ídolos sagrados) |
Em Seu aspecto Para, Ele possui todas as seis qualidades de Aiśvarya (Senhoria), Śakti (Poder), Bala (Força), Jñāna (Conhecimento), Tejas (Esplendor) e Vīrya (Virilidade). Mas, no Seu aspecto Vyūha, exceto Vāsudeva, só um par de qualidades está presente no resto deles. Os Vyūha-s são quatro: Vāsudeva (como eu disse antes, tem exatamente as mesmas qualidades do Īśvara), Saṅkarṣaṇa (só possui Bala e Jñāna), Pradyumna (só possui Aiśvarya e Vīrya) e Aniruddha (só possui Śakti e Tejas). De cada Vyūha ou emanação, surge uma série de sub-vyūha-s ou subemanações. Cada um desses sub-vyūhas está cheio de significado para um seguidor dessa escola. Eis os seus nomes: Keśava, Mādhava e Nārāyaṇa (de Vāsudeva); Govinda, Viṣṇu e Madhusūdana (de Saṅkarṣaṇa); Trivikrama, Śrīdhara e Vāmana (de Pradyumna); Hṛṣīkeśa, Padmanābha e Dāmodara (de Aniruddha). Novamente, cada Vyūha está encarregado de uma função específica... mas é melhor que você estude diretamente a tabela a seguir:
De Īśvara, se manifestam quatro Vyūha-s ou Emanações
Vāsudeva | Saṅkarṣaṇa | Pradyumna | Aniruddha | |
FUNÇÃO | É o Mais Alto Ser | Emana de Vāsudeva. É o destruidor do universo e proponente de escrituras sagradas | Emana de Saṅkarṣaṇa. É o criador do universo, bem como introduz todos os deveres religiosos | Emana de Pradyumna. Protege o universo e dissemina ensinamentos sobre libertação espiritual. Também dá origem a todas as encarnações divinas (Vibhava) |
QUALIDADES | As seis qualidades divinas: Aiśvarya (Senhoria), Śakti (Poder), Bala (Força), Jñāna (Conhecimento), Tejas (Esplendor) e Vīrya (Virilidade) | Jñāna (Conhecimento) e Bala (Força) | Aiśvarya (Senhoria) e Vīrya (Virilidade) | Śakti (Poder) e Tejas (Esplendor) |
SUB-VYŪHA-S | Keśava, Mādhava e Nārāyaṇa | Govinda, Viṣṇu e Madhusūdana | Trivikrama, Śrīdhara e Vāmana | Hṛṣīkeśa, Padmanābha e Dāmodara |
O aspecto Vibhava de Īśvara é composto por dez encarnações de Viṣṇu: (1) Matsya (o Peixe), (2) Kūrma (a Tartaruga), (3) Varāha (o Javali), (4) Nṛsiṁha (Homem-Leão), (5) Vāmana (o Anão), (6) Paraśurāma (Rāma com o Machado), (7) Rāmacandra (ou simplesmente Rāma), (8) Kṛṣṇa, (9) Buddha e (10) Kalki (Viṣṇu montado em um Cavalo Branco).
Alguns autores enumeram as encarnações desta forma: (1) Matsya (o Peixe), (2) Kūrma (a Tartaruga), (3) Varāha (o Javali), (4) Nṛsiṁha (Homem-Leão), (5) Vāmana (o Anão), (6) Paraśurāma (Rāma com o Machado), (7) Rāmacandra (ou simplesmente Rāma), (8) Balabhadra (ou Balarāma, Rāma dotado de força), (9) Kṛṣṇa e (10) Kalki (Viṣṇu montado em um Cavalo Branco).
Enquanto outros ainda dizem que as dez encarnações são as seguintes: (1) Matsya (o Peixe), (2) Kūrma (a Tartaruga), (3) Varāha (o Javali), (4) Nṛsiṁha (Homem-Leão), (5) Vāmana (o Anão), (6) Paraśurāma (Rāma com o Machado), (7) Rāmacandra (ou simplesmente Rāma), (8) Balabhadra (ou Balarāma, Rāma dotado de força), (9) Buddha e (10) Kalki (Viṣṇu montado em um Cavalo Branco).
Todas as encarnações vêm de Aniruddha (o quarto Vyūha) e têm como fim a proteção dos bons e o aniquilamento dos maus.
O aspecto Antaryāmī de Īśvara é o "espírito interior", ou seja, o Senhor como um Espírito interior dentro de tudo. É uma Testemunha imparcial de todas as nossas ações. Alguns chamam a esse aspecto "Paramātmā". Antaryāmī não é afetado, em absoluto, pelo Karma (as ações e seus respectivos frutos). Quando uma pessoa se dá conta do Antaryāmī, diz-se que ele atingiu "equanimidade", pois ele vê a Deidade vivendo em tudo.
Finalmente, o aspecto Arcā consiste em todos os ídolos sagrados nos quais o Senhor está completamente presente. Esses ícones veneráveis são utilizados pelos devotos como suporte para a adoração do Supremo Ser. Não são considerados como meras estátuas, mas sim como a forma viva do Próprio Īśvara.
Então, como você certamente adivinhou, a principal prática para um seguidor do Viśiṣṭādvaita é Bhakti ou devoção. O devoto também cultiva ações auspiciosas e conhecimento correto como ajuda a essa Bhakti.
Bem, já é o bastante. Agora, estudemos o Dvaitavedānta:
Dvaitavedānta
No Viśiṣṭādvaita, o universo é o Corpo Cósmico do Senhor, que é como uma espécie de Fogo colossal de onde emergem infindáveis faíscas (almas individuais). Isso é obviamente uma analogia que eu uso por questão de conveniência. Entretanto, quando uma alma atinge a Iluminação, desfruta de imensa Felicidade e Conhecimento, mas considera-se uma parte do Supremo Senhor. Há união e separação ao mesmo tempo. Contudo, no Dvaitavedānta (Vedānta dual), o Senhor é eterna e completamente separado de tudo, mesmo daquelas almas exaltadas que atingiram Libertação final. O Supremo Ser nunca é tocado pelo universo criado por Ele Mesmo. A diferença entre essas escolas é sutil.
O Dvaitavedānta foi fundado por Madhva (também conhecido como Ānandatīrtha). Ele também é o autor de várias obras cruciais nesse sistema: Daśaprakaraṇa, Brahmasūtrabhāṣya, etc. Ainda assim, também houve outros autores importantes: Jayatīrtha, Rāghavendra Yati, Pūrṇānanda, etc. Eles também escreveram obras importantes: Nyāyasudhā, Candrikā Prakāśa, Tattvamuktāvali, etc.
O devoto do Dvaita precisa passar por 6 etapas de modo a atingir a Iluminação, segundo essa escola:
ETAPA | Descrição |
Vairāgya | "Renúncia". O devoto se torna indiferente a todos os objetos externos, pois entende que a real felicidade não se encontra em nenhum deles. Leva uma vida simples e frugal que é cheia de contentamento. |
Jñāna | "Conhecimento". Aqui, o devoto começa a conhecer, dos lábios do seu guru, sobre a sua relação eterna com o Senhor. |
Māhātmyajñāna | "Conhecimento (jñāna) sobre a grandeza do Senhor (māhātmya)". O devoto começa a estudar escrituras sagradas nas quais encontra descrições de Deus. Por meio dessas descrições, percebe a grandeza do Supremo Ser. |
Niṣkāmakarma | "Ação (karma) sem desejo (niṣkāma)". O devoto se aplica ao amoroso serviço do Senhor, sem nenhum interesse por detrás. Não se preocupa nem um pouco com os frutos do seu serviço, mas sim entrega esse serviço a Deus como uma humilde oferenda. |
Bhakti | "Devoção". Após completar as etapas anteriores, o devoto é automaticamente levado a um estado devocional caracterizado por um estado mental carente de oscilações. A devoção é puro amor por Deus, que continua dia e noite, por todo o tempo. Há várias formas de classificar as várias condições devocionais, mas o núcleo do Bhakti é total "prapatti" ou "rendição" a Deus, o que faz com que a devoção brote dentro do devoto. Qual o objetivo de falar muito sobre isso? É melhor experimentar por si mesmo. |
Prasāda | "Favor (Divino)". Segundo o Dvaitavedānta, somente o favor de Deus concede a Libertação final ao devoto que passou pelas cinco etapas anteriores. Quando o favor supracitado é dado a alguém tão afortunado quanto esse devoto, este atinge a Iluminação. |
Enquanto o devoto passa de uma etapa para a outra, vai experimentando quatro tipos de felicidade (ānandatāratamya):
ĀNANDATĀRATAMYA ou OS QUATRO TIPOS DE FELICIDADE | |||
SĀLOKYA Entrar em Vaikuṇṭha (o mundo de Viṣṇu ou Deus) |
SĀMĪPYA Estar próximo ao Senhor |
SĀRŪPYA Ter a forma do Senhor |
SĀYUJYA Estar unido ao Senhor |
Obviamente, os dois últimos não devem ser entendidos de um ponto de vista estritamente não-dual. Lembre que isso é Dvaitavedānta ou Vedānta dual. Agora, vamos estudar o Trika.
Trika ou Shaivismo não-dual da Caxemira
Esse é o sistema filosófico que eu predominantemente ensino. É uma escola não-dual. Vasugupta foi "o fundador humano" dessa escola, embora o verdadeiro tenha sido Śiva ou o Supremo Ser. Muitas escrituras desse sistema são revelações por Deus: Mālinīvijayottaratantra, Svacchandatantra, Śivasūtra-s, etc. No entanto, houve, obviamente, outros autores humanos nessa tradição: Vasugupta, Abhinavagupta, Kṣemarāja, Utpaladeva, Somānanda, etc. Eles escreveram grandes obras tais como: Spandakārikā-s, Tantrāloka, Pratyabhijñāhṛdayam, Īśvarapratyabhijñā, etc.
O seguidor dessa escola inicia a sua prática espiritual a partir de um dos quatro "upāya-s" ou "meios/métodos" e vai avançando até a Libertação final segundo todos os ensinamentos dados pelo Trika... mas é melhor que você vá diretamente à seção de Trika para uma informação completa sobre esse assunto. Estude todos esses documentos e você entenderá as bases e práticas do Shaivismo Não-dual da Caxemira.
Notas finais
Foi uma longa e difícil tarefa, mas estou satisfeito, pois, por meio deste documento, você já terá um melhor entendimento das fundações nas quais cada uma das seis escolas tradicionais. Esse foi um sumário de todos esses sistemas filosóficos. Se você gostou de algum deles, é muito importante conhecer sobre os outros, de modo a não desenvolver uma atitude "de mente estreita" do tipo: "Nós somos os únicos donos da Verdade". Uma pessoa desenvolvida espiritualmente nunca abrigará essa atitude primitiva. A razão para esse sábio comportamento é que a pessoa supracitada é "livre". Cultive uma mente aberta, se você quiser desenvolver todo o seu potencial espiritual. Se você achar que só uma escola possui toda a Verdade, perderá de vista a Realidade. Verdade, Realidade, Absoluto, Brahma, Śiva ou qualquer nome que você possa usar para designar ISTO, no final, não importa. O ponto importante a ter em mente é o seguinte: ISTO é sempre "livre" e nunca é sujeito a nada, nem a uma escola filosófica.
Vá ao próximo documento --Primeiros Passos (3)-- para estudar como cada sistema interpreta a Iluminação e para aprender mais sobre a conexão entre Sânscrito e o Yoga. Nos vemos!
Informação adicional
Este documento foi concebido por Gabriel Pradīpaka, um dos dois fundadores deste site, e guru espiritual versado em idioma Sânscrito e filosofia Trika.
Para maior informação sobre Sânscrito, Yoga e Filosofia Indiana; ou se você quiser fazer um comentário, perguntar algo ou corrigir algum erro, sinta-se à vontade para enviar um e-mail: Este é nosso endereço de e-mail.